Esclarecimentos sobre o prazo para Adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), conforme a Lei nº 14.595 de 05 de junho de 2023

Esclarecimentos sobre o prazo para Adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), conforme a Lei nº 14.595 de 05 de junho de 2023

O Código Florestal (lei federal 12.651/2016) teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal durante o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade de nº 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937 e da Ação Declaratória nº 42/19, cujo acórdão foi publicado em 12 de agosto de 2019.

Sendo assim, a legislação federal está vigente, e as regras especiais para uso consolidado também, com aplicação imediata reconhecida pelo judiciário.

Para a regularização destas áreas consolidadas, com uso anterior a 22 de julho de 2008, o imóvel rural tem que estar inscrito no Cadastro Ambiental Rural e realizada a adesão ao Programa de Regularização Ambiental.

Com a publicação da Lei nº 14.595/23, que alterou o parágrafo 4º no artigo 29 do Código Florestal, ficou determinado que terão direito à adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), os proprietários e possuidores dos imóveis rurais com área acima de 4 (quatro) módulos fiscais ou que atendam ao disposto no art. 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que os inscreverem no CAR até o dia 31 de dezembro de 2025.

Nos termos do artigo 59 do Código Florestal, o Programa de Regularização Ambiental deve ser implantado pela União, pelos estados e pelo Distrito Federal.

Este Programa tem como finalidade regularizar as áreas rurais consolidadas em áreas de preservação permanente (APP) e em reservas legais, estabelecendo a parâmetros de recomposição, regeneração e recuperação estabelecidos na parte especial do Código Florestal. Lembrando que a inscrição no CAR é requisito básico para a adesão de proprietários e possuidores de imóveis rurais ao PRA.

Então, com a nova lei (14.595/2023) estabeleceu-se que terão direito à aderir ao PRA os proprietários e possuidores dos imóveis rurais com área acima de 4 (quatro) módulos fiscais que os inscreverem no Cadastro Ambiental Rural (“CAR”) até o dia 31 de dezembro de 2023, bem como os proprietários e possuidores dos imóveis rurais com área de até 4 (quatro) módulos fiscais ou aqueles considerados agricultor familiar ou empreendedor familiar rural, conforme o disposto no art. 3º da Lei nº 11.326/2006, que os inscreverem no CAR até o dia 31 de dezembro de 2025.

O prazo para adesão ao PRA será de 1 ano a partir da notificação pelo órgão competente, que realizará previamente a validação do CAR e a identificação de passivos ambientais do respectivo imóvel.

Através da adesão, além de garantir a regularização ambiental das áreas rurais consolidadas nos termos da parte transitória do Código Florestal, é oportuno, relembrar que: no período da publicação da lei e a implementação do PRA em cada Estado e no Distrito Federal, bem como após a adesão do interessado ao PRA e enquanto estiver sendo cumprido o termo de compromisso, o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, Reserva Legal e de uso restrito.

Sendo assim, a partir da assinatura do termo de compromisso serão suspensas as sanções decorrentes das infrações acima mencionadas e, cumpridas as obrigações estabelecidas no Programa de Regularização Ambiental (PRA) ou no termo de compromisso para a regularização ambiental das exigências desta Lei, nos prazos e condições neles estabelecidos. Quando as medidas forem cumpridas, as multas relativas às intervenções em APP e reserva legal serão convertidas em serviços voltados à preservação e recuperação ambiental, o que é vantajoso para todos.

As últimas novidades trazidas pela Lei 14.595 de 2023 foram referentes à publicidade de transparência dos imóveis rurais inscritos do Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou no Programa de Regularização Ambiental (PRA).

A primeira inclusão realizada com a inclusão do parágrafo 9º no artigo 59 do referido dispositivo prevê expressamente a obrigação de que os órgãos ambientais garantam acesso aos dados mencionados para as instituições financeiras. Para que seja possível analisar o histórico dos imóveis.

Já a segunda inclusão, realizada em sentido semelhante, no parágrafo 10º trata do formato de disponibilização de informações que estarão atualizadas e em endereço eletrônico com os dados referentes ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) e Programa de Regularização Ambiental (PRA).

Os avanços com relação a implementação e efetividade do Código Florestal beneficiam a regularização ambiental, tornando efetivo: 1) o reconhecimento das atividades agrossilvopastoris em áreas de uso consolidados; 2) o avanço nas recuperações, regenerações e recomposições de APP mínimas e RL necessárias; 3) Convertendo as multas em pagamentos por serviços ambientais; 4) tornando as áreas passiveis de financiamentos e demais projetos que beneficiam quem esta regularizado ambientalmente.

Por fim, é inestimável os benefícios do Cadastro Ambiental Rural e do Programa de Regularização, por isso a necessidade do produtor rural em tomar conhecimento para que possa efetuar o cadastro e aderir ao programa.

Esclarecimentos sobre o novo prazo para Adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA)

Esclarecimentos sobre o novo prazo para Adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA)

O novo Código Florestal esta vigente, e as regras especiais para uso consolidado também.

Para a regularização destas áreas consolidadas, com uso anterior a 22 de julho de 2008, o imóvel rural tem que estar inscrito no Cadastro Ambiental Rural e realizada a adesão ao Programa de Regularização Ambiental.

Com a publicação da Lei nº 13.887/19, que incluiu o parágrafo 4º no artigo 29 do Código Florestal, ficou determinado que os proprietários e possuidores de imóveis rurais que se inscreverem no CAR até 31 de dezembro de 2020 terão direito à adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).

Nos termos do artigo 59 do Código Florestal, o Programa de Regularização Ambiental deve ser implantado pela União, pelos estados e pelo Distrito Federal.

Este Programa tem como finalidade regularizar as áreas rurais consolidadas em áreas de preservação permanente (APP) e em reservas legais, estabelecendo a parâmetros de recomposição estabelecidos na parte especial do Código Florestal.
Lembrando que a inscrição no CAR é requisito básico para a adesão de proprietários e possuidores de imóveis rurais ao PRA.

Então, com a nova lei (13.887/2019) a estabeleceu-se que os inscritos no CAR até 31 de dezembro de 2020 terão direito à adesão ao PRA, em até dois anos, contados da inscrição do imóvel rural no CAR, observado o disposto no parágrafo 4º do artigo 29.

Através da adesão, além de garantir a regularização das áreas rurais descritas na parte transitória do Código Florestal, poderão suspender qualquer sanção administrativa decorrente do uso anterior a 22 de julho de 2008, durante o cumprimento das medidas propostas.

Quando as medidas forem cumpridas, as multas relativas às intervenções em APP e reserva legal serão convertidas em serviços voltados à preservação e recuperação ambiental, o que é vantajoso para todos.

O novo Código Florestal teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal durante o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade de nº 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937 e da Ação Declaratória nº 42/19, cujo acórdão foi publicado em 12 de agosto de 2019.

Os avanços com relação a implementação do Novo Código Florestal beneficia o meio ambiente, através da efetiva regularização da situação ambiental de áreas rurais.

EQUIPE TROVARELI&PINHEIRO
Sociedade de Advogados

RESOLUÇÃO SAA de nº 55, de 19 de setembro de 2020.

RESOLUÇÃO SAA de nº 55, de 19 de setembro de 2020.

A presente Resolução implementa o programa AGRO LEGAL e estabelece as diretrizes, procedimentos e orientações para dispensa da Reserva Legal aos produtores rurais que cumpriram a lei da época. Estabelecendo, ainda, quais serão os procedimentos especiais para os imóveis com até 4 (quatro) módulos fiscais.

Este programa é o reconhecimento e a implementação dos art. 67 e 68 da parte transitória do Novo Código Florestal.

Estamos avançando para ver a regularização dos imóveis rurais que cumpriram a lei da época, e até 22 de julho de 2008, o uso consolidado de suas propriedades.

Procure seu advogado ou a sua Associação para aplicação dos dispositivos nos termos da lei.

É o que nos cabe informar.

EQUIPE TROVARELI&PINHEIRO
Sociedade de Advogados

REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL DE IMÓVEIS RURAIS NO ESTADO DE SÃO PAULO

REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL DE IMÓVEIS RURAIS NO ESTADO DE SÃO PAULO

REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL DE IMÓVEIS RURAIS NO ESTADO DE SÃO PAULO
PROGRAMA AGRO LEGAL
CONSOLIDAÇÃO DE ÁREAS DE RESERVA LEGAL
PROJETO DE RECOMPOSIÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS E ALTERADAS – PRADA

No dia 17 de setembro deste ano, foram publicadas importantes regulamentações para implementação da Lei nº 12.651 de 25 de maio de 2012 (Novo Código Florestal) no estado de São Paulo, a saber:
i) Decreto n.º 65.182, de 16 de setembro de 2020;
ii) Resolução Conjunta SAA/SIMA n.º 3, de 16 de setembro de 2020; e
iii) Resolução SIMA n.º 73, de 16 de setembro de 2020.
Destacamos abaixo os principais dispositivos das referidas publicações:

Decreto n.º 65.182, de 16 de setembro de 2020 – Programa AGRO LEGAL:

Referido Decreto institui o Programa AGRO LEGAL o qual tem como objetivo principal promover a regularização da reserva legal dos imóveis rurais no Estado de São Paulo, observados os artigos 27 e 32 da Lei nº 15.684/2015, ou seja, define os procedimentos para as hipóteses de dispensa de recomposição, compensação ou regeneração das áreas consolidadas em áreas de reserva legal, nos termos dos art. 67 e 68 da Lei nº 12.651/2012.

Determina, ainda, que a implementação do Programa AGRO LEGAL será de competência exclusiva do Secretário de Agricultura e Abastecimento, uma vez que a coordenação do Sistema de Cadastro Ambiental do Estado de São Paulo – SICAR/SP e consequente implementação do Novo Código Florestal no Estado de São Paulo está sob responsabilidade desta.

Em relação aos proprietários e os possuidores de imóveis rurais de até 4 módulos fiscais em 22 de julho de 2008 – em consonância com o disposto no art. 67 do Novo Código Florestal e com o parecer da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo emitido em 2019 -, fica confirmada a dispensa de regeneração, a recomposição ou a compensação da reserva legal, na forma do artigo 32 da Lei nº 15.684/ 2015. A dispensa será reconhecida no próprio SICAR/SP, independentemente de pedido, sendo de competência da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável – CDRS, órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento.

Ressalta-se que o reconhecimento da dispensa, conforme art. 3º, § 2º, partirá da localização do imóvel rural nas Cartas do IBGE 1:50.000, elaboradas com base nas aerofotografias oficiais tiradas em 1965 e digitalizadas ou nas imagens de satélite ou aéreas que possam retratar a situação vegetacional do imóvel rural em 1989, no mapa de biomas do Brasil publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2004 e na área do imóvel rural em 22 de julho de 2008. Garantindo, portanto, a referência adequada da qualificação do bioma da propriedade à época da supressão.

Destaca-se, também, a alteração do art. 7º do referido Decreto, o qual garantirá ao proprietário rural utilizar de todos os meios de prova que tiver à sua disposição para fins de demonstrar o seu enquadramento no artigo 27 da Lei nº 15.684/2015, incluindo estudos fundiários que contemplem a situação do imóvel em cada um dos marcos temporais nele mencionados, dispensada a comprovação da anuência do órgão ambiental competente da época. Os documentos acima mencionados deverão ser apresentados mediante requerimento endereçado à CDRS, independentemente de adesão ao PRA – Programa de Regularização Ambiental, regulamentado pelo Decreto nº 64.842, de 5 de março de 2020, cabendo à Secretaria de Agricultura e Abastecimento a sua avaliação, para fins de homologação do pedido de dispensa de regeneração, de recomposição ou de compensação da reserva legal.

Já o Decreto n.º 65.182/2020 trouxe importantes alterações no Decreto nº 64.842/2020, o qual regulamenta a regularização ambiental de imóveis rurais no Estado de São Paulo, nos termos da Lei federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012, e da Lei estadual nº 15.684, de 1|4 de janeiro de 2015, quais sejam:
i) retira a exigência de anuência prévia do Ministério Público e demais órgãos da administração pública para revisão dos termos de compromisso à luz do termo de compromisso que irá instruir o Projeto de Recomposição de Áreas Degradadas e Alteradas – PRADA, no âmbito do Programa de Regularização Ambiental-PRA, substituindo esse anuência prévia pela obrigação de o proprietário ou possuidor do imóvel rural comunicar a repactuação aos respectivos órgãos no prazo de 30 (trinta) dias após a celebração do novo termo de compromisso;
ii) altera a composição do Grupo de Análise e Deliberação sobre Recursos e Propostas de Regularização Ambiental de Imóveis Rurais – GAR-PRA, passando a ser constituído por “I – o Secretário de Secretaria de Agricultura e Abastecimento, que será seu presidente; II – um representante, e respectivo suplente, da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente; III – um representante, e respectivo suplente, da Secretaria da Fazenda e Planejamento; IV – um representante, e respectivo suplente, da Secretaria de Desenvolvimento Regional; V – um representante, e respectivo suplente, da Secretaria da Justiça e Cidadania.”.
Por fim, em consonância com o art. 4º, fica determinado que a Secretaria de Agricultura e Abastecimento deverá promover as alterações necessárias no SICAR-SP dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da publicação deste decreto.

Resolução Conjunta SAA/SIMA n.º 3, de 16 de setembro de 2020:

Referida Resolução dispõe sobre as medidas de regeneração, de recomposição e de acompanhamento da vegetação nativa, bem como as de compensação da Reserva Legal, nos Projetos de Recomposição de Áreas Degradadas e Alteradas – PRADAs, no âmbito do Programa de Regularização Ambiental dos imóveis rurais no Estado de São Paulo – PRA, disciplinado pela Lei estadual nº 15.684/2015, e pelo Decreto estadual nº 64.842/2020.

O PRADA será elaborado no âmbito do SICAR/SP, devendo conter:
i) a individualização das áreas rurais consolidadas;
ii) as obrigações assumidas para a regularização ambiental do imóvel rural, com a descrição detalhada do projeto de recuperação da vegetação nativa, incluindo-se os serviços e as obras necessários e o cronograma de execução, com metas bianuais a serem atingidas;
iii) a forma de compensação da Reserva Legal, quando for o caso.

O início de implantação do PRADA ocorrerá no prazo estipulado no Termo de Compromisso destinado à regularização ambiental do imóvel rural.

Seu prazo máximo será de 20 anos, abrangendo, no mínimo, a recomposição de 1/10 da área total a ser recuperada a cada 2 anos, priorizando-se a recomposição das Áreas de Preservação Permanente-APP.

A Resolução determina, ainda, que em 120 dias contados da sua publicação, o Grupo de Trabalho composto pelas Coordenadorias de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS/SAA) e de Fiscalização e Biodiversidade (CFB/SIMA) deverá apresentar para aprovação o Manual Técnico Operacional que contemple as orientações, as diretrizes e os critérios aplicáveis à recomposição e à regeneração da vegetação nativa, bem como à compensação da Reserva Legal, notadamente, os indicadores de monitoramento que demonstrem, ao longo do tempo, o estágio do processo de regularização da área degradada.

Resolução SIMA n.º 73, de 16 de setembro de 2020:

A presente Resolução altera dispositivos da Resolução SMA n.º 32/2014, que estabelece as orientações, diretrizes e critérios sobre restauração ecológica no Estado de São Paulo.

De forma concisa, referida resolução afasta a aplicação da Resolução SMA n.º 32/2014 para os Projetos de Recomposição de Áreas Degradadas e Alteradas – PRADAs, no âmbito do Programa de Regularização Ambiental dos imóveis rurais no Estado de São Paulo – PRA, restando, portanto, evidente a aplicação da Resolução Conjunta SAA/SIMA n.º 3/2020 para tais projetos.

Por ora, aguardamos a publicação da Resolução da Secretaria da Agricultura e Abastecimento que fará a implementação do Programa AGRO LEGAL.

É o que nos cabe informar.

EQUIPE TROVARELI&PINHEIRO
Sociedade de Advogados

Seguem abaixo links para acesso na íntegra das legislações acima mencionadas:
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2020/decreto-65182-16.09.2020.html
https://smastr16.blob.core.windows.net/legislacao/sites/40/2020/09/resoluc%CC%A7a%CC%83o-conjunta-saa-sima-003-2020-monitoramento-da-vegetac%CC%A7a%CC%83o-versa%CC%83o-final-16-09-2020.pdf
https://smastr16.blob.core.windows.net/legislacao/sites/40/2020/09/resolucao-sima-073-2020-processo-9908-2013-altera-disp.-da-resolucao-sma-32-2014-restauracao-ecologica-1.pdf

A PEREMPÇÃO COMO PRESSUPOSTO PROCESSUAL

A PEREMPÇÃO COMO PRESSUPOSTO PROCESSUAL

RESUMO

Este artigo tem como finalidade, abordar o instituto jurídico da perempção, no que diz respeito à área trabalhista, visto que ele está previsto em diversas áreas do direito – Penal, Civil e Trabalhista, e tem o condão de regular os seus diplomas legais como o CPP, CPC e CLT.
De maneira geral, a perempção é um conceito que se relaciona com o dever de impulso das partes, o autor de uma ação deverá promover atos necessários para finalizar certa demanda, do contrário, sua inércia resultará na extinção daquela relação processual.

INTRODUÇÃO

Para o direito Civil a perempção trata-se de um mecanismo de extinção da relação processual, devido a inércia do autor, levando a perda do direito de ingresso da ação depois de extinto o processo por três vezes. Portanto, ele não perde o direito material, podendo, portanto, ter a chance de postular nova demanda.
Define-se como instituo processual que não afeta o direito material, além de ser um requisito processual negativo. O réu poderá alegar a perempção no processo antes mesmo de discutir o mérito da causa, alegada através preliminar, e, buscar a extinção sem julgamento do mérito.
Trata-se de um instituto processual que não afeta o direito material, além de ser um requisito processual negativo. De todo modo, o réu pode alegar a perempção no processo antes de passar a discutir o mérito da causa — alegada em preliminar de contestação, buscando a sua extinção sem julgamento do mérito.
Por sua vez, o processo do trabalho prevê duas formas distintas de perempção, conforme dispõe os artigos 731 e 731 da Consolidação das Leis do Trabalho, conforme veremos a seguir.

DAS HIPÓTESES

A perempção na Justiça do trabalho pode ocorrer de duas formas diferentes, e eles estão previstas nos artigos 731 e 732 da Consolidação das Leis Trabalhistas.
Na primeira hipótese, do art. 731 da CLT, que dispõe que: “aquele que, tendo apresentado ao distribuidor reclamação verbal, não se apresentar, no prazo estabelecido no parágrafo único do artigo 786, à Junta ou Juízo para fazê-la tomar por termo, incorrerá na pena de perda, pelo prazo de seis meses, do direito de reclamar perante a Justiça do Trabalho.”
Isso quer dizer, que as reclamações podem ser feitas somente na forma verbal, sem a necessidade de se contatar um advogado, bastando o interessado se dirigir à Secretaria da Vara do Trabalho e expor sua reclamação junto ao órgão. Após essa distribuição o reclamante terá o prazo de cinco dias para retornar à Vara a fim de reduzir a termo sua relação, e o seu não comparecimento lhe custará à perda do direito perante a Justiça do Trabalho pelo prazo de seis meses.
A segunda hipótese, prevista pelo art. 733 da CLT, trata-se da reclamação causada por duas vezes seguidas dando causa ao arquivamento devido à falta de audiência inaugural.
O reclamante fica impedido de pleitear direitos na justiça do trabalho por seis meses.
Caso não ocorra o comparecimento na data estipulada para audiência inaugural da reclamada, não será configurada como perempção, visto que isso só ocorre com o autor.
Nesses casos, o instituto será o de revelia, conforme regula o artigo 844 da CLT, ficando o empregado condenado ao pagamento de verbas rescisórias com o acréscimo de 50%, conforme súmula do TST, e mesmo com o advogado comparecendo a audiência e munido de procuração, salvo comprovação expressa por meio de atestado médico que o empregador ou o preposto encontrava-se impedido de comparecer à audiência, os valores serão devidos, ainda assim.
Vale ressaltar, que existe mais uma hipótese em que não será caraterizada perempção, e ela acontecerá quando o reclamante ajuizar pedido de desistência antes da audiência inaugural, não dando causa ao arquivamento, pois desistiu antes.
Por fim, as hipóteses de perempção serão as previstas nos artigos 731 e 732 da CLT, que por duas vezes dará causa ao arquivamento de reclamação pelo não comparecimento à audiência inaugural, ou não comparecimento à Vara do Trabalho a fim de reduzir a termo sua reclamação verbal, impedindo assim seu direito de requerer seus direitos junto a Justiça do Trabalho durante o prazo de seis meses.

DOS REQUISITOS

A perempção acontecerá sempre que o autor abrir mão da causa por três vezes, sempre que a ação for idêntica. Os requisitos necessários para que a perempção seja considerada são os seguintes:

– Idêntica causa de pedir;
– Mesmas partes do processo;
– Mesmo pedido imediato ou mediato;

Os efeitos da perempção são uma consequência que decorre da inércia da parte em promover atos que fazer parte dos procedimentos necessários para o andamento do processo em curso.
A perempção é causa de extinção do processo sem a resolução do mérito, no entanto, o magistrado poderá reconhecê-la de ofício a qualquer tempo e grau de jurisdição, desde que não tenha ocorrido o transito em julgado. Os fatos da ação extinta ainda poderão ser apresentados pela defesa, desde que não tenha ocorrido a extinção do direito material do autor.

DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

O entendimento dos tribunais acerca da perempção tem se mostrado pacifico e consolidado, conforme se demonstrará abaixo em uma decisão muito recente, conforme segue:
EMENTA PEREMPÇÃO TRABALHISTA. APLICABILIDADE DO ART. 732
DA CLT. NECESSIDADE DE DECLARAÇÃO NA SENTENÇA QUE DETERMINOU O ARQUIVAMENTO. A jurisprudência do TST tem se inclinado no sentido de exigir que a limitação do exercício de ação prevista no art. 732 da CLT seja declarada na sentença que determinou o arquivamento da segunda reclamação, permitindo a fixação da data para contagem do prazo de seis meses, o que não aconteceu na presente hipótese. Recurso a que se dá provimento. RELATÓRIO Trata-se do Recurso Ordinário Nº TRT-RO – 0100294-98.2017.5.01.0038, em que são partes LEILIAN DA COSTA ALVES, como recorrente, e PETROMARE TELECOMUNICACOES E SERVICOS LTDA, TELEMAR NORTE LESTE S/A. – EM RECUPERACAO JUDICIAL e CLARO S.A., como recorridas. Recorre a reclamante (id.4453133) da sentença de id. – e34a11d, proferida pela MM. Juíza Maria Gabriela Nuti, da 38ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, que julgou extinto o feito sem resolução do mérito, na forma do art. 485, V, do CPC, reconhecendo que houve perempção. Aduz a recorrente que não ocorreu perempção, na forma do art. 732 da CLT, porquanto a segunda ação por ela ajuizada foi extinta por desistência, e não foi arquivada na forma do art. 844 da CLT. Contrarrazões das recorridas nos ids. 077d4ec, 5659d50, 4b4eee3. É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO CONHECIMENTO A decisão foi publicada em 29.4.2019. Apresentado o recurso em 13.5.2019, mostra-se este tempestivo, porquanto após a vigência da Lei nº 13.467/2017, os prazos passaram a ser contados em dias úteis (art. 775 da CLT). Procuração id. 59741ec. (TRT- 1- RO: 0100294-98.2017.5.01.0038 RJ , Relator: GUSTAVO TADEU ALKMIM, Data de Julgamento: 28/01/2020, Primeira Turma, Data da Publicação: 08/02/2020).
E do TST em 2015: EMENTA: RECURSO DE REVISTA. EXTINÇÃO DO PROCESOS SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. PEREMPÇÃO. ARQUIVAMENTO CONSECUTIVO DE DUAS RECLAMAÇÕES TRABALHISTAS POR AUSÊNCIA DO RECLAMANTE EM AUDIÊNCIA. AJUIZAMENTO DE UMA TERCEIRA AÇÃO ANTES DO DECURSO DO PRAZO DE SEIS MESES. A CLT, em seu art. 844, preceitua que o não comparecimento do Reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação. Já a leitura conjunta dos arts. 731 e 732 da CLT indica que incorrerá na perda do direito de reclamar perante a Justiça do Trabalho, pelo prazo de seis meses, o Reclamante que, por duas vezes seguidas, der causa ao arquivamento de que trata o art. 844 da CLT. Trata-se de perempção trabalhista, que se dá apenas de forma temporária no processo do trabalho, punindo o empregado com a impossibilidade de comparecimento à Justiça do Trabalho, na condição de reclamante, pelo prazo de seis meses. Ou seja, somente após seis meses do trânsito em julgado da sentença de arquivamento da segunda reclamação é que poderá o Reclamante ajuizar uma terceira reclamação. Não há o que falar em incompatibilidade do instituto da perempção com a garantia constitucional de acesso ao Judiciário, uma vez que não se trata o direito de ação de um direito absoluto, permitindo-se a aplicação de sanção àquele que o exercita de forma abusiva.
Ademais, é de se ressaltar que, nos termos da Súmula 268/TST, a ação trabalhista, ainda que arquivada, interrompe a prescrição em relação aos pedidos idênticos. Nos termos do art. 202, caput, do Código Civil, a interrupção da prescrição se dá uma única vez. Recurso de Revista não conhecido. (TST-RR-3350620125090654, Relator: Maurício Godinho Delgado, Órgão Julgador: 3ª Turma, DEJT 05/12/2014).

CONCLUSÃO

De acordo com o tema estudado, concluo que as hipóteses de perempção na esfera trabalhista como pressuposto processual, tem o condão de limitar o acesso à justiça no sentido de extinguir a relação processual entre as partes, caso não sejam atendidas os requisitos necessários, será definida como a perda do direito de movimentar o judiciário durante o prazo de seis meses.

Laura Romancini

REFERÊNCIAS

– BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.442, de 01.mai.1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del5452compilado.htm Acesso em: 19 de maio 2020.
– DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 1 edição. São Paulo:
LTr, 2002.
– PESQUISA de jurisprudência Justiça do Trabalho TRT da 3ª Região. Disponível
em: < https://portal.trt3.jus.br/internet/jurisprudencia/>. Acesso em 19 mai. 2020.
– PESQUISA de jurisprudência Justiça do Trabalho TRT da 1ª Região. Disponível
em: < https://portal.trt1.jus.br/internet/jurisprudencia/>. Acesso em 19 mai. 2020.

O ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA E AS HIPÓTESES DE ALTERAÇÃO DO LOCAL DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

O ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA E AS HIPÓTESES DE ALTERAÇÃO DO LOCAL DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

RESUMO

O presente texto tem como objetivo analisar o adicional de transferência dos trabalhadores de acordo com a Consolidação das Leis Trabalhistas, suas hipóteses de cabimento e obrigações a serem cumpridas pelo empregador. Ademais, serão analisadas as hipóteses de alteração do local de prestação de serviços pelo empregado e suas aplicações.

INTRODUÇÃO

A alteração do local de trabalho do empregado pode gerar ao empregador o dever de pagar adicional de transferência. Nesse sentido, a doutrina cuidou de conceituar essas alterações e quando serão devidos os valores por parte do empregador. Muito se discutiu a respeito da distancia da alteração do local do trabalho, se a mudança ocorreu de forma provisória ou definitiva, se o funcionário concordou ou não com a mudança de local, e, inclusive, se pediu por essa mudança.
No cenário atual, a jurisprudência se parece bastante consolidada neste sentido, não havendo entendimentos divergentes, conforme ficará demonstrado a seguir.

DA ALTERAÇÃO DO LOCAL DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO

Quando o empregado tem seu contrato de empregado realizado com a empresa, presume-se que ele será exercido naquele local combinado inicialmente contratado.
Ocorre que, muitas vezes por uma série de fatores, as empresas optam por transferir seus funcionários, para outras cidades, estados e até outros países. Dessa maneira, muitos empregados, geralmente de confiança, acabam se mudando por um período, muitas vezes indeterminado de tempo, dependendo da demanda da empresa, ou até definitivamente com suas famílias.
O artigo 469 da Consolidação das Leis do Trabalho prevê que o empregador está proibido de realizar esse tipo de transferência sem a anuência do empregador, para localidade diversa da que resultar do contrato. Ocorre que em muitas situações, previstas pelo artigo, se faz possível admitir tais transferências, principalmente em se tratando dos cargos de confiança, em casos de transferência provisória, extinção de estabelecimento, e condição implícita ou explicita de transferência constante do contrato.
O empregado acaba aceitando a transferência, para evitar a dispensa, e acaba ficando muito tempo em outra localidade, e consequentemente longe de sua família, dos amigos e da vida que possuía.

DO ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA

O adicional de transferência está disposto no artigo 469, §3º e 470 da Consolidação das Leis do Trabalho, onde se estabelece a obrigatoriedade de pagamento de 25% sobre o salário, inclusive nos cargos de confiança para compensar o trabalho exercido fora da localidade onde habitualmente exerce a atividade. Como esse acréscimo possui natureza salarial, esse aumento é computado para efeito de férias, 13º salário, repouso semanal remunerado, desconto do IR (Imposto de Renda) na fonte, contribuições previdenciárias e depósito do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Para Maurício Godinho Delgado, a verba tem natureza de antecipação dos gastos do empregado, conforme abaixo:
“A ordem jurídica prevê, ainda, o pagamento ao obreiro de uma parcela indenizatória, volta a repor as despesas de transferências do trabalhador e sua família: trata-se da ajuda de custa especificada pelo art. 470 da CLT.
Tal verba, como visto, tem induvidosa natureza indenizatória (reparação ou antecipação de gastos. Por essa razão, paga-se mediante uma ou poucas parcelas – e não uma série indeterminada ao longo do contrato de trabalho. Pela mesma razão não se integra ao salário ou contrato obreiros.
O objeto da verba abarca despesas de transferência não somente individuais do trabalhador, mas, também, obviamente, de sua família.”
Este percentual será devido quando a transferência provocar a mudança do domicílio em caráter provisório. Caso a transferência seja definitiva, o empregador terá que arcar somente como as despesas de mudança, em acordo com o artigo 470 da CLT.
O adicional ficará suspenso nos casos em que a transferência possuir caráter definitivo, ou o funcionário retornar ao local de trabalho de origem. Quando a transferência ocorrer por pedido do empregado, provisoriamente ou definitivamente, o adicional não será devido.
A verba de adicional por transferência tem natureza salarial, inclusive para os trabalhadores que prestarem serviços ou transferências para o exterior. A Lei 7.064/82, em seu artigo 4º, o seguinte: “mediante ajuste escrito, empregador e empregado fixarão os valores do salário-base e do adicional de transferência”. E foi com base nesse dispositivo legal que a Construtora Andrade Gutierrez tentou convencer os julgadores de que o adicional de transferência pago a um empregado que trabalhou no exterior teria natureza indenizatória. No entanto, a 7ª Turma não deu razão à empresa, decidindo manter a sentença que reconheceu a natureza salarial, conforme ementa:
EMENTA – ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA – LEI 7. 064/82 A Lei n. 7.064/82, que dispõe sobre a situação de trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos para prestar serviços no exterior, estabelece em seu artigo 3.o, parágrafo único, sobre a aplicação da lei brasileira no que diz respeito ao FGTS, à Previdência Social e ao PIS/PASEP. Nos termos do artigo 469 parágrafo 3o, da CLT, o adicional de transferência é devido enquanto durar esta situação, possuindo, portanto, caráter condicional, com a finalidade de compensar o trabalhador do transtorno acarretado pelo afastamento de sua residência, no interesse da empresa, sendo, pois, verba eminentemente salarial.
Independentemente do caráter provisório de que se reveste o aludido adicional, enquanto perdurar seu pagamento, essa parcela compõe a remuneração, inclusive, para efeitos de depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Inteligência do Enunciado n. 63, do Colendo Tribunal Superior do Trabalho c/c parágrafo único do artigo 3o da Lei 7.064/82.
(TRT-3 – RO: 1207304 00499-2001-004-03-00-3, Relator: Emilia Facchini, Sexta Turma, Data de Publicação: 30/09/2004,DJMG . Página 12. Boletim: Sim.)
Conforme o julgado, o pagamento destinou-se a remunerar o empregado pelos serviços prestados, e neste caso não há que se falar em indenização, deixando clara a natureza salarial do pagamento.
Nesse sentido, o entendimento da jurisprudência, a turma de julgadores declarou a natureza salarial do adicional de transferência, e reconheceu a integração da verba ao salário e seus reflexos legais.

DIRIGENTE SINDICAL

A legislação vigente, em seu artigo 543, determina que o empregado eleito para o cargo de administração sindical ou representação profissional não poderá ser impedido do exercício de suas funções, nem transferido para lugar que dificulte ou torne impossível o desempenho das atribuições de seu cargo.
Caso haja o fechamento de uma filiar, sem que exista outra na mesma localidade, o empregador poderá realizar a transferência para outra filiar, pois se não há mais atividade no local de contrato inicial, não estaria o empregador impedindo o exercício da atividade do empregado. Caso exista resistência do funcionário na transferência, poderá haver a extinção do contrato, não sendo devida indenização por força da garantia do emprego, devendo ser paga somente as verbas trabalhistas até o momento da rescisão.
Caso exista outro estabelecimento na localidade, e sendo possível a mudança do empregado, não há que se falar em transferência, e poderá ser feito independente de autorização ou vontade do funcionário.

CONCLUSÃO

Concluo, portanto, que depois de demonstrada a importância do adicional de transferência e sua aplicabilidade pela Consolidação das leis do Trabalho, sempre respeitando a vontade do empregado, pois é válido lembrar que existe por trás de todo colaborador existe uma pessoa humana com uma vida fora do ambiente de trabalho, com sua família, seus amigos e atividades cotidianas e é justamente para que possa apresentar melhores resultados dentro do ambiente corporativo, que essas situações devem ser bem reguladas.
Portanto, quando ocorrer a alteração de local da prestação de serviço diversa da contratada em caráter provisório, o adicional de transferência será devido pelo empregador ao empregado, e se a mudança for definitiva, o empregador terá que arcar com as despesas de mudança. Esse é um direito que deve ser assegurado, respeitado pelo empregador e garantido pela justiça do Trabalho.

Laura Romancini

REFERÊNCIAS

– BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.442, de
01.mai.1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del5452compilado.htm Acesso em: 16 de maio 2020.
– DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 1 edição. São Paulo: LTr, 2002.
– BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 221-248
– PESQUISA de jurisprudência Justiça do Trabalho TRT da 3ª Região.
Disponível em: < https://portal.trt3.jus.br/internet/jurisprudencia/>. Acesso em 16 mai. 2020.

Reconhecimento da Responsabilidade Subjetiva Ambiental – PARTE 1

Reconhecimento da Responsabilidade Subjetiva Ambiental – PARTE 1

PARECER n. 00004/2020/GABIN/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU

NUP: 00807.003227/2019-40 INTERESSADOS: GABIN – PFE – IBAMA – SEDE ASSUNTOS: MEIO AMBIENTE

EMENTA: DIREITO AMBIENTAL. INFRAÇÃO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. NECESSIDADE DE DOLO OU CULPA. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA, ESTÁVEL, ÍNTEGRA E COERENTE (STJ). REVISÃO DA ORIENTAÇÃO JURÍDICA NORMATIVA 26/2011/PFE-IBAMA.

1. A responsabilidade administrativa ambiental possui natureza subjetiva, a demandar a existência de dolo ou culpa do agente para caracterização de infração ambiental.
2. Aplicação subsidiária de disposições do Código Penal na forma do artigo 79 da Lei n. 9.605/98, nos limites da presente manifestação.
3. Dolo e culpa no âmbito de pessoas jurídicas, possibilidade de emprego da teoria do órgão ou avaliação da conduta da pessoa jurídica em si, compreensão a partir da dispensabilidade da dupla imputação.
4. Conceito de dolo conforme artigo 18, I, do Código Penal. Exclusão de coação física irresistível. Relevância da omissão dolosa. Comprovação por prova indireta do dolo e demais elementos subjetivos, possibilidade.
5. Conceito de culpa conforme artigo 18, II, do Código Penal, enquanto descumprimento de dever objetivo de cuidado cumulado com nexo causal e previsibilidade objetiva. Conceituação de negligência, imprudência e imperícia. Possibilidade de responsabilização por culpa in eligendo (em escolher), in vigilando (em vigiar) e in custodiendo (em guardar).
6. Distinção entre responsabilidade subjetiva e elemento subjetivo (psicológico), este último presente apenas no dolo e na culpa consciente, mas inexistente na culpa inconsciente.
7. Excludentes de culpabilidade. Ônus probatório imputado originalmente ao autuado em virtude da presunção iuris tantum de sanidade mental, consciência da ilicitude e capacidade de determinação dos cidadãos em geral, conforme legislação de regência.
8. Inimputabilidade administrativa. Sanidade mental, critério biopsicológico, conforme artigo 26 do Código Penal. Maturidade, imputabilidade de adolescentes, conforme OJN n. 30/2012/PFE- IBAMA, contudo, revisão da orientação para considerar inimputáveis por infração ambiental as crianças em virtude da disposição do artigo 105 do ECA. Necessidade de diálogo das fontes.
9. Inexigibilidade de conduta diversa. Aplicação do artigo 22 do Código Penal. Coação moral irresistível, exige ameaça concreta, exequível, grave e iminente, a qual é apta a retirar a reprovabilidade daquele que atua. Obediência hierárquica, apenas aplicável a vínculo de direito público, não aplicável para ordem manifestamente ilegal no âmbito civil ou criminosa no âmbito militar. Inexigibilidade enquanto cláusula geral derivada do conceito de culpabilidade, adoção jurisprudencial pelo Superior Tribunal de Justiça, inviabilidade de aplicação com fundamento meramente econômico. Jurisprudência.
10. Potencial consciência da ilicitude enquanto erro de proibição invencível.
11. Re?exos da responsabilidade subjetiva no concurso de pessoas. Aplicação das disposições do artigo 29 e seguintes do Código Penal, excetuadas normativas que digam respeito à diminuição de pena criminal. Possibilidade de punição de partícipe, conforme artigo 3º, parágrafo único, 79 da Lei n. 9.605/98. Teoria formal-objetiva do concurso de pessoas conjugada com teoria do domínio do fato, acatada no ordenamento brasileiro

pelo STF na AP 470. Conceitos de autoria imediata, mediata, admitida nessa hipótese o domínio do aparato organizado de poder, incluídas estruturas empresariais, conforme jurisprudência do STF. Coautoria, requisitos, possibilidade de coautoria lateral. Participação sobre a forma de instigação (moral) ou cumplicidade (material), sendo impossível a participação em crime culposo, caso de coautoria lateral.
12. Efeitos intertemporais da revisão do entendimento da OJN n. 26/2011. Responsabilidade subjetiva enquanto exigência material da infração. Desnecessidade de sua presença expressa, sendo admitida sua presença implícita. Inteligência da legislação e jurisprudência, inclusive, penal. Autos de infração aplicados sob a vigência da OJN n. 26/2011 não são censurados pela mudança da posição se presentes, ainda que implicitamente, dolo ou culpa do agente.

1. DA ORIENTAÇÃO JURÍDICA NORMATIVA N. 26/2011/PFE/IBAMA
1. A Orientação Jurídica Normativa 26/2011/PFE-IBAMA (ONJ 26/2011) foi editada em janeiro de 2011, em decorrência de consulta interna da PFE-Ibama acerca da con?guração da culpa e do dolo para a aplicação da penalidade de multa administrativa ambiental.
2. Conforme raciocínio ali desenvolvido, entendeu-se que a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81) teria afastado a necessidade de comprovação de culpa para caracterizar a infração administrativa. No entanto, foi efetuada a distinção entre as responsabilidades administrativa e civil, destacando que na civil opera a teoria do risco integral, que não admite as excludentes de responsabilidade, tais como força maior, caso fortuito ou fato de terceiro, enquanto a responsabilidade administrativa seria regida pela teoria do risco criado, que reconhece a incidência de excludentes, desde que demonstrado, pelo administrado, “que seu comportamento não contribuiu para a ocorrência da infração (culpa concorrente)”. Conforme a ONJ n. 26/2011, a teoria do risco criado
admite a responsabilidade independentemente de culpa ou de decisão da empresa, bastando a comprovação do dano (efetivo ou potencial) e do nexo de causalidade, mas sustenta que não se poderia imputar a responsabilidade quando o dano resultasse da conduta ou ação de terceiro, vítima ou não, ou de outras excludentes de responsabilidade, tais como o caso fortuito ou força maior.
3. A OJN também enfatizou o conceito de poluidor contemplado na Lei 6.938/1981, considerado “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”, motivo pelo qual a ausência de dano efetivo não impediria a imposição de penalidades administrativas.
4. Destacou-se, ainda, a aplicação dos princípios da precaução e da prevenção no direito ambiental, segundo os quais a efetiva ocorrência do dano não seria essencial para caracterizar a ilicitude da conduta, bastando a potencialidade de causar riscos maiores e irreversíveis à manutenção da qualidade ambiental.
5. Fez-se também correlação com o princípio do poluidor-pagador, o qual respaldaria a responsabilidade ambiental na esfera civil e administrativa, impondo ao sujeito causador do dano ambiental a obrigação de “sustentar ?nanceiramente a diminuição ou o afastamento do dano”, além de “impedir a socialização dos prejuízos decorrentes de atividade prejudicial ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Tal princípio apresenta duas ?nalidades: evitar a ocorrência do dano (caráter preventivo) e, se ocorrido, ordenar sua reparação (caráter repressivo), abrangendo “a ideia de responsabilidade pelo dano causado ao meio ambiente independentemente de culpa”.
6. Com alicerce nessas premissas, concluiu-se que “se a conduta (ação ou omissão) é considerada ilícita por sua própria natureza ou gera um resultado considerado ilícito pela legislação ambiental, está con?gurada a infração administrativa, ainda quando o agente não visou deliberadamente o resultado danoso”. Nessa linha de raciocínio, a comprovação, pelo autuado, do rompimento do nexo causal, em face da existência de excludente de responsabilidade, seria capaz de afastar a imputação de sanção ao suposto infrator.
2. DA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
7. De início cabe referir que a dispensabilidade da con?guração de dolo ou culpa para a responsabilidade administrativa ambiental nunca foi entendimento estabilizado, ao qual se poderia chamar de jurisprudência.
8. Veja-se que a tese da identidade entre responsabilidade ambiental civil e administrativa, considerando esta objetiva, encontrou amparo inicialmente no REsp 467.212/RJ (2003), contudo, essa compreensão veio a ser desa?ada no REsp 1.251.697/PR (2012), mas voltou a ser rea?rmada no REsp 1.318.051/RJ (2015) pela Primeira Turma, que três meses depois mudou novamente o entendimento e reconheceu a necessidade do culpa ou dolo para caracterizar a infração administrativa ambiental (AgRG no AREsp 62.584/RJ). Posteriormente houve estabilização desse entendimento pela necessidade do elemento subjetivo para a responsabilização administrativa ambiental, como se constata do REsp 1.401.500/PR (2016), REsp 1.640.243/SC (2017), AgInt no REsp 1.712.989 (2018) , REsp 1.708.260/SP (2018), AgInt no REsp 1.263.957/PR (2018), AgInt no AREsp 826.046 (2018), AgInt no REsp 1.263.957 (2018), AgInt no REsp 1.828.167/PR (2019), REsp 1.805.023 (2019).
9. Além disso, o acórdão de 2015 em favor da responsabilidade objetiva ( REsp 1.318.051/RJ) foi objeto de embargos de divergência, esses julgados no ano de 2019, vindo a paci?car que a responsabilidade administrativa ambiental seria de natureza subjetiva, não se confundiria com a responsabilidade civil ambiental de cunho objetivo.

10. Observe-se, inclusive, que a Procuradoria-Geral da República (PGR), por intermédio do Parecer 18.304/15–DVT, elaborado nos autos do ERESP 1.318.051/RJ (e-STJ ?. 1245), foi categórica em reconhecer a necessidade de dolo ou culpa para a aplicação de penalidades administrativas ambientais:
Todavia, no caso dos autos, a discussão paira não sobre a reparação civil do dano ambiental, de responsabilidade do poluidor direto ou indireto, mas sim sobre a impossibilidade de imposição de multa a terceiro por infração administrativa ambiental cometida por outrem, em conformidade com o princípio da intranscendência das penas (art. 5º, XLV, da Constituição), aplicável tanto ao Direito Penal quanto ao Direito Administrativo Sancionador. Logo, a aplicação de penalidades administrativas segue a teoria da culpabilidade, e não a lógica da responsabilidade civil objetiva. […] Portanto, a reparação civil do dano ambiental abrange todos os poluidores, diretos e indiretos, na esteira da teoria do risco integral, enquanto as penalidades administrativas permanecem limitadas aos “transgressores” que tenham concorrido com dolo ou culpa. Daí a diferença entre poluidores e “transgressores” ventilada no acórdão paradigma.
11. O acórdão foi relatado pelo Ministro Mauro Campbell Marques que fundamentou seu voto pelo provimento dos embargos de divergência na jurisprudência do STJ ao referir que “Ocorre que a jurisprudência desta Corte, em casos análogos, assentou que a responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva.”
12. Após a manifestação do relator, pediu vista o Ministro Herman Benjamin, retornando em sessão posterior com voto-vista acompanhando o Ministro Relator, cabendo ressaltar o seguinte trecho que difere as responsabilidades civis e administrativas de cunho ambiental:
[…] a responsabilidade administrativa por dano ambiental é de natureza subjetiva, conforme consignado no aresto paradigma.
Como destacado pelo e. Relator, a imposição de penalidade administrativa por infração ao meio ambiente rege-se pela teoria da responsabilidade subjetiva.
A disposição do art.14, §1º, da lei 6.938/1981 de que a indenização ou reparação dos danos ambientais não afasta a aplicação de sanções administrativas signi?ca apenas que a indenização ou reparação do dano prescindem da culpa, e não que as sanções administrativas dispensam tal elemento subjetivo.
Não há confundir o direito administrativo com a responsabilidade civil ambiental, chegando-se ao ponto de atribuir responsabilidade do autuado por fato de terceiro.
(grifou-se)
13. Na sequência do voto-vista, os Ministros Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Francisco Falcão, Napoleão Nunes Maia Filho e Og Fernandes acompanharam o relator, vindo a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça de forma unânime dar provimento aos embargos de divergência, resultando no acórdão com a seguinte ementa:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA SUBMETIDOS AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO EM RAZÃO DE DANO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO D A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.
1. Na origem, foram opostos embargos à execução objetivando a anulação de auto de infração lavrado pelo Município de Guapimirim – ora embargado -, por danos ambientais decorrentes do derramamento de óleo diesel pertencente à ora embargante, após descarrilamento de composição férrea da Ferrovia Centro Atlântica (FCA).
2. A sentença de procedência dos embargos à execução foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pelo fundamento de que “o risco da atividade desempenhada pela apelada ao causar danos ao meio ambiente consubstancia o nexo causal de sua responsabilidade, não havendo, por conseguinte, que se falar em ilegitimidade da embargante para ?gurar no polo passivo do auto de infração que lhe fora imposto”, entendimento esse mantido no acórdão ora embargado sob o fundamento de que “[a] responsabilidade administrativa ambiental é objetiva”.
3. Ocorre que, conforme assentado pela Segunda Turma no julgamento do REsp 1.251.697/PR, de minha relatoria, DJe de 17/4/2012), “a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano”.
4. No mesmo sentido decidiu a Primeira Turma em caso análogo envolvendo as mesmas partes: “A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador” (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe de 7/10/2015).
5. Embargos de divergência providos.
(STJ, 1a S., v.u., EREsp 1.318.051/RJ, rel. Min. Mauro Campbell, j. em 08/05/2019, DJe
12/06/2019)
14. O trânsito em julgado do tema ocorreu em 27/08/2019, conforme o acompanhamento processual do Superior Tribunal de Justiça.
3. DA NECESSIDADE DE REVISÃO DO ENTENDIMENTO CONTIDO NA OJN N. 26/2011
15. Dessa forma, a adoção pelo Poder Judiciário de tese incompatível com aquela constante na OJN n. 26/2011 é necessário à PFE-Ibama, no objetivo de oferecer segurança jurídica à autarquia ambiental federal, operar a revisão do entendimento quanto à natureza da objetiva da responsabilidade

ambiental administrativa baseada na Teoria do Risco Criado. Além disso, conforme o Acórdão n. 1432/2017 – Plenário, reputou o TCU relevante o estudo quanto à adequação da interpretação da responsabilidade ambiental adotada pelo Ibama, demonstrando-se a importância do tema sob o prisma do controle externo, especialmente com a pacificação do tema no âmbito do STJ.
16. Igualmente, não são poucas as vozes na doutrina que entendem a natureza subjetiva da responsabilidade administrativa ambiental, cabendo citar, por todos, Curt Trennepohl:
A aplicação de sanções sem comprovação de culpa ou dolo afronta os mais elementares pilares do nosso sistema jurídico. A aplicação de multa deve obedecer às regras do direito sancionador, pois derivadas da Lei n. 9.605/98, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas, aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
[Responsabilidade administrativa no direito ambiental. Em FARIAS, Talden; TRENNEPOHL, Terence (Coords.). Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 480]
17. A aplicação de um regime fundado na culpabilidade possui repercussões e necessidade de delineamentos diversos, com vistas a assegurar sua aplicação dogmaticamente fundada, evitando-se incompreensões ou duplicidade de critérios, com vistas à consistência na atuação administrativa.
18. Cabe uma observação fundamental: por meio da presente revisão de tese não se objetiva a abordagem integral de todos os elementos das infrações administrativas ambientais, mas apenas delinear os efeitos diretos da adoção do requisito de culpabilidade para sua con?guração. Dessa forma, aspectos fundamentais como o conceito de ação para infrações ambientais, a tipicidade infracional objetiva e seus componentes, formas de exclusão da ilicitude de uma conduta, a con?guração do nexo causal, as regras de imputação das infrações administrativas etc., não serão objeto da presente manifestação jurídica.
19. Essas questões, demandariam cada uma abordagem tão detalhada quanto à presente e postergariam a solução da presente questão, restando sua abordagem deixada para um próximo momento.
20. Dito isso, passar-se-á à operacionalização da responsabilidade ambiental subjetiva.
4. PRESSUPOSTO LEGAL PARA A DELIMITAÇÃO DOS CONCEITOS DE DOLO E CULPA
21. A responsabilidade subjetiva, embora aplicada em diversos dispositivos legais, não encontra na grande maioria desses de?nição especí?ca, constituindo o Código Civil o exemplo mais notório, não sendo esse um óbice à aplicação de suas disposições, cabendo sua de?nição à doutrina e jurisprudência.
22. No presente caso, contudo, a Lei n. 9.605/98 prevê expressamente a aplicação subsidiária do disposto no Código Penal, in verbis:
Art. 79. Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.
23. A aplicação subsidiária de normas, ainda mais quando se trata de ramos distintos, demanda esforço do intérprete, visando a não exceder o comando legal, transformando o direito administrativo sancionador em direito penal, nem negar a normatividade do artigo 79 da Lei n. 9.605/98.
24. Assim, visando a ofertar segurança jurídica à autarquia, buscou-se na presente manifestação indicar expressamente a aplicação das disposições penais que contam com aplicação no que diz respeito à responsabilidade administrativa ambiental, de?nindo os exatos limites do artigo 79 da Lei n. 9.605/98 quanto ao tema da culpabilidade.
25. Por exemplo, as disposições que dizem respeito à dosimetria, agravantes, atenuantes, causas de aumento ou diminuição das penas ou multas criminais não são transponíveis ao direito administrativo sancionador, o mesmo podendo-se falar do disposto no artigo 18, parágrafo único, do CP que prevê a excepcionalidade de delitos culposos. Em ambos os casos a regra da sanção administrativa é diversa e, conforme o STJ, admite a realização culposa das infrações ambientais como regra.
26. Dito isso, ao se aplicar subsidiariamente a legislação, é inevitável que se faça uso da doutrina especializada quanto a essa, ainda que com os devidos temperamentos, de forma que o emprego de trechos de doutrinadores de direito penal será realizado em diversas oportunidades, desde já cabendo apontar as menções a “crimes” ou “tipos penais” nessas constantes como devendo ser entendidos enquanto “infrações ambientais” e “tipos infracionais”.
27. Em suma, na inexistência de de?nição na Lei n. 9.605/98 dos conceitos de dolo e culpa, bem como de conceitos correlatos, é imposição legal a adoção daqueles previstos no Código Penal, passando-se a definir os estritos limites que essa aplicação subsidiária se dará nos itens seguintes.
4.1 Da configuração de dolo e culpa para pessoas jurídicas
28. Dito isso, em regra, a con?guração de dolo e culpa para ?ns das pessoas jurídicas se dá através da chamada teoria do órgão, criada por Otto Gierke, que entende esses enquanto “parte do corpo da entidade e, assim, todas as suas manifestações de vontade são consideradas como da própria entidade (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 67).
29. No âmbito do Direito Privado, em semelhante sentido Pontes de Miranda vem a?rmar que o órgão não atua enquanto representante da pessoa jurídica, mas seu “presentante”, o que deriva da capacidade da própria pessoa jurídica. (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, 60 v. v.1: Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas, p. 412)
30. Assim, tradicionalmente, é por meio da conduta das pessoas físicas que atuam em nome da pessoa jurídica que se mostra possível apurar a existência de dolo ou culpa para essas.
31. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (RE 548.181) ao analisar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais, cujo dispositivo fundamental é o mesmo que justi?ca sua responsabilidade administrativa (CF, art. 225, § 3º), entendeu que não se a?gura necessário responsabilizar ao mesmo tempo a pessoa física por meio da qual essa entidade atua, o que era

conhecida como doutrina da dupla imputação.[1]
32. Dessa forma, se no âmbito penal, não se a?gura necessária a identi?cação do agente da pessoa jurídica que atua com dolo ou culpa, no âmbito administrativo com menos razão ainda seria necessário assim proceder, em vista do princípio da subsidiariedade do direito penal. Nesse sentido, desde a década de 1990 a própria dogmática penal, inclusive em âmbito comparado, evoluiu para admitir a existência de dolo e culpa próprios das pessoas jurídicas sem que seja necessário atribuir a essas a culpa dos seus agentes. Vejamos nesse sentido as lições de Klaus Tiedemann:
A responsabilidade criminal no sentido de uma “resposta” negativa às normas legais não poderia ser dada, de acordo com essa opinião, a não ser por indivíduos que por si só poderiam abusar da liberdade de se pronunciar a favor ou contra a lei. No entanto, não há nada a impedir de considerar as pessoas morais como receptoras de normas legais de natureza ética (supra, 13) e como uma entidade em posição de violar essas normas. Deste modo, a organização correta da pessoa coletiva é dever de si mesma, não apenas das pessoas singulares, como a?rma Schiinemann. Daí o conceito de culpa da pessoa coletiva. Não falamos, na realidade da vida social, da culpa da empresa que poluiu um rio – um exemplo dado por Hirsch – ou que obteve subsídios fraudulentos? Portanto, na vida e na linguagem da sociedade, uma culpa corporativa é totalmente conhecida, e essa culpa não está completamente isenta da impressão ética ou moral, mesmo quando a coloração moral requer um conteúdo particularmente diverso. Essa culpa do grupo não é idêntica à culpa acumulada constituída pela soma da culpa pessoal (observada, por exemplo, pela lei dos Estados Unidos), e não se baseia, ou não apenas, na culpa de outro. Reconhecer no direito penal tal culpa (social) da empresa nada mais é do que expor as consequências de sua realidade social, por um lado, e as obrigações correspondentes aos direitos da empresa, por outro lado, como os autores de língua inglesa dizem muito bem até alcançar a uma “responsabilização corporativa” [TIEDEMANN, Klaus. Responsabilidade penal de pessoas jurídicas e empresas em Direito Comparado. RBCCrim, n. 11, 1995, p. 31, tradução livre]
33. No caso da responsabilidade administrativa compreendida a partir da jurisprudência do STF conjugada como o artigo 2º do Decreto n. 6.514/2008, a?gura-se adequado que a culpabilidade em sentido amplo (englobando dolo e culpa em sentido estrito) deva analisar a conduta da pessoa jurídica como um todo. Por exemplo: ao se veri?car a existência de uma fraude em informação do licenciamento prestada por uma pessoa jurídica, não há dúvida que essa agiu com dolo, a?gurando-se excessivo exigir-se a identi?cação do agente que assim procedeu (muitas vezes omitido ou obscurecido pela estrutura societária) para ?ns de responsabilização subjetiva. Em mesmo sentido, ao veri?car-se a supressão de vegetação e a edi?cação de propriedade de uma pessoa jurídica sem atenção às regras próprias, não há dúvidas que essa ocorreu de forma, ao menos culposa, não sendo o caso de demandar- se o nome daquele que operou a máquina que suprimiu a vegetação.
34. O que se demanda, isso sim, é a demonstração que foram atos dolosos ou culposos realizados em nome de uma pessoa jurídica que levaram a cabo uma infração ambiental, sendo a discussão dos agentes envolvidos eventualmente relevante para ?ns de dosimetria ou mesmo responsabilização pessoal desses.
4.2 Do conceito de dolo
35. O Código Penal assim define o delito praticado dolosamente:
Art. 18 – Diz-se o crime:
Crime doloso
I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
36. A leitura do preceito revela a necessidade de um querer do agente dirigido à realização de uma conduta prevista em um tipo infracional. Atente, nada obstante, para a possibilidade de con?guração da ação dolosa em situações nas quais o agente assume o risco de produção do resultado. Nesses casos, é dizer, em situações nas quais o agente, mesmo sem desejar diretamente a prática da infração administrativa (o chamado dolo direto), age assumindo o risco de produção de resultado por ele previsto, resta con?gurado o chamado dolo eventual. Quanto ao ponto, Juarez Tavares fala de “uma vinculação emocional do agente para com o resultado; vale dizer, exige não apenas o conhecimento ou a previsão de que a conduta e o resultado típicos podem realizar-se, como também que o agente se ponha de acordo com isso ou na forma de conformar-se ou de aceitar ou de assumir o risco de sua produção”. (Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 278-279.)
37. Na prática, não se distinguem os dolos direto (caracterizado pelo querer praticar o verbo do tipo infracional), alternativo (que pode relacionar-se ao resultado pretendido – alternatividade objetiva –, ou à pessoa contra a qual se dirige a conduta ilícita – alternatividade subjetiva) e eventual. Em todas as situações, o agente age dolosamente e a ele será imputada a prática do delito administrativo.
38. Mais do que isso, a própria distinção entre o agir doloso e o agir com culpa faz pouco sentido no direito administrativo sancionador, na medida em que, tanto em uma hipótese, quanto na outra, a infração ambiental restará con?gurada. Para a con?guração dos ilícitos administrativos ambientais basta que o agente tenha atuado com culpa, sem atenção a um dever de cuidado. Alejandro Nieto não deixou passar em branco essa característica do direito administrativo sancionador:
No Código Penal, a regra é a exigência de dolo de tal maneira que somente em casos excepcionais e também previstos, os crimes possam ser cometidos por mera imprudência (art. 12). Na Lei de Penalidades Administrativas, a situação é completamente diferente, pois, como regra, a imprudência é su?ciente para entender a infração cometida e, a menos que expressamente declarado de outra forma, o dolo não é necessário; caso contrário, se ocorreu, ela opera apenas como elemento da graduação (agravante) da sanção
[GARCÍA, Alejandro Nieto. Derecho Administrativo Sancionador, 5 ed. Editorial Tecnos, 2012 (reimpressão 2018), p 339-340, tradução livre]
39. Quanto aos elementos constitutivos do dolo, Hans Welzel disse que toda ação consciente é conduzida pela decisão da ação, quer dizer, pela consciência do que se quer – o momento intelectual – e

pela decisão a respeito de querer realizá-lo – o momento volitivo. Ambos dos momentos, conjuntamente, como fatores con?guradores de uma ação típica real, formam o dolo (dolo = consciência + vontade) (Derecho penal alemán. Trad. Juan Bustos Ramirez e Sergio Yañes Peréz. Jurídica Chile, 1987, p. 77).
40. É relevante perceber, nada obstante, a desnecessidade de exigir do agente a ciência do tipo infracional ao qual se amolda a conduta. Rogério Greco a?rma que “a consciência, no entanto, não quer dizer que o agente conheça o tipo penal ao qual se amolda sua conduta, pois que, conforme esclarecem Bustos Ramírez e Hormazábal Malarée, ‘a exigência do conhecimento se cumpre quando o agente conhece a situação social objetiva, ainda que não saiba que essa situação social objetiva se encontra prevista dentro de um tipo penal'” (Curso de Direito Penal. 11 ed., Impetus, 2009, p. 186).
41. No que relacionado ao elemento vontade, anota-se, apoiado na doutrina de José Cerezo Mir, a impossibilidade da imputação da conduta dolosa ao agente se ele não quis o resultado delitivo como consequência de ação, ou omissão, próprias. Nessa toada, pode-se dizer que aquele que age coagido ?sicamente não atua com vontade, não podendo, portanto, responder pela infração, mesmo que realize o verbo do tipo infracional. (CEREZO MIR, José. Curso de Derecho Penal Español, Parte general. Editorial Tecnos, 2001, v. II, p. 149.)
42. Aproveita-se o registro feito no tópico precedente para asseverar a relevância, no direito administrativo sancionador, da omissão para ?ns de con?guração do tipo infracional. A omissão será relevante nas hipóteses previstas no § 2º do artigo 13 do Código Penal, in verbis:
Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido
[…]
Relevância da omissão
§ 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
4.3 Da forma de comprovação de dolo ou outros elementos subjetivos diverso do dolo
43. Fundamental a compreensão de que a comprovação do elemento subjetivo (em geral dolo) não ocorre mediante prova direta da intenção psicológica e sim por meio da avaliação dos fatos objetivos provados, a partir dos quais através das regras da experiência, se intui o elemento subjetivo. O dolo se prova por meio de prova indireta, ou indícios, como se refere no âmbito do processo penal. Não é necessária à comprovação do dolo ou qualquer elemento subjetivo a con?ssão do agente ou necessariamente prova testemunhal.
44. Assim, imagine-se que a ?scalização ?agre um terceiro disparando diversos tiros em direção a animal silvestre sem amparo legal para tal, vindo todos a atingir esse espécime, levando-o a óbito. Nesse caso, evidencia-se a intenção desse particular em abater o animal, não sendo necessário que esse afirme que era seu objetivo.
45. Inclusive no âmbito do direito processual penal é assim compreendida a prova do dolo e dos demais elementos subjetivos, cabendo transcrever a lição de Eugênio Pacelli quanto ao tema:
Em relação especi?camente à prova da existência do dolo, bem como de alguns elementos subjetivos do injusto (elementos subjetivos do tipo, já impregnado pela ilicitude), é preciso uma boa dose de cautela. E isso ocorre porque a matéria localiza-se no mundo das intenções, em que não é possível uma abordagem mais segura.
Por isso, a prova do dolo (também chamado de dolo genérico) e dos elementos subjetivos do tipo (conhecidos como dolo especí?co) são aferidas pela via do conhecimento dedutivo, a partir do exame de todas as circunstâncias já devidamente provadas e utilizando-se como critério de referência as regras da experiência comum do que ordinariamente acontece. É a via da racionalidade. Assim, quem desfere três tiros na direção de alguém, em regra, quer produzir ou aceita o risco de produzir o resultado morte. Não se irá cogitar, em princípio, de conduta imprudente ou de conduta negligente, que caracterizam o delito culposo.
Nesses casos, a prova será obtida pelo que o Código de Processo Penal chama de indícios, ou seja, circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução (trata-se, à evidência, de dedução), concluir-se a existência de outra ou de outras circunstâncias (art. 239). [Curso de Processo Penal. 21. ed.. São Paulo: Atlas, 2017, item 9.1.2]
46. Ainda sobre a comprovação do elemento intelectual do dolo, vale destacar o que defende Alejandro Nieto, no sentido da impossibilidade de exata identi?cação desse elemento, é dizer, da inviabilidade, na prática, de perfeita comprovação da ciência, pelo infrator, dos fatos constitutivos do tipo infracional:
Desnecessário será dizer que, na prática, a identi?cação desse elemento nunca pode ser exata, pois é impossível penetrar na mente do autor para saber sem dúvida o que ele sabia. Portanto, é necessário avaliar, por meio de referências indiciárias, que, além disso, é necessário adaptar-se à cultura e à personalidade do autor, uma vez que, como foi dito corretamente (COBO e VIVES, 1999, p. 624), “o conhecimento do signi?cado ilegal da conduta não deve ser entendido no sentido do conhecimento da subsunção legal; caso contrário, apenas juristas (e não todos) podem cometer um crime, nem cobrir o conhecimento da punibilidade, mas requer a que foi chamado de avaliação de um autor na esfera do leigo paralelo à avaliação legal “.
[Derecho Administrativo Sancionador, 5 ed. Editorial Tecnos, 2012 (reimpressão 2018), p 339-340]
47. Veri?ca-se, dessa forma, que, em sendo o mundo mental do infrator inacessível à veri?cação direta, que a prova do elemento subjetivo é realizada por meio das circunstâncias do mundo

externo, a partir das quais, racionalmente, se infere a intenção do agente.
4.4 Do conceito de culpa
48. O Código Penal define, no artigo 18, inciso II, o delito praticado culposamente:
Art. 18 – Diz-se o crime:
[…]
Crime culposo
I I – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia
49. Explica a doutrina que “na culpa em sentido estrito, não há intenção no resultado, na conduta ilícita. O infrator, ainda que preveja, não deseja causar o dano, mas o faz por imprudência, negligência ou imperícia. É imprudente aquele que age além dos limites que a cautela lhe impõe. É negligente aquele que não toma os cuidados necessários. É imperito o pro?ssional em seu ofício que age com imprudência ou negligência” (SEIFERT, Ronaldo Gerd, Culpabilidade e responsabilidade administrativa ambiental, Revista de Direito v. 14, n. 19, 2011, p. 77).
50. Considera-se imprudência a conduta perigosa, arriscada, adotada sem a observância dos exigíveis deveres de cuidado, ainda que tais deveres derivem de normas de outros ramos do direito (como o CTB), disposições regulamentares, regulatórias ou mesmo padrões técnicos.
51. A negligência (diferentemente da imprudência que se materializa com um agir) resta caracterizada em situações nas quais o agente deixa de fazer algo que a diligência normal lhe impõe. Cite-se, como exemplo, a conduta de deixar de dar manutenção em veículo automotor, gerando a emissão de gases poluentes em níveis superiores ao permitido em regulamento.
52. Observa-se, portanto, que, para caracterização de um dos tipos de culpa, que pressupõe negligência, torna-se necessário analisar se o administrado adotou todos os deveres de cuidado que a situação exigia, podendo-se concluir, desde logo, que na responsabilidade subjetiva é devida a responsabilização administrativa daquele que, mesmo sem intenção de fazê-lo, comete infração ambiental por não adotar medidas pré-concebidas de cuidados nas suas ações.
53. A imperícia, por ?m, está relacionada à inaptidão (momentânea, ou não) para o desempenho de arte, ou profissão.
54. Consoante leciona a maioria dos doutrinadores, nas infrações cometidas por culpa (em sentido estrito), a conduta voluntária do agente está dirigida a um ?m irrelevante para o direito, mas que por imprudência, imperícia, ou negligência, vale dizer, em razão da inobservância de um dever de cuidado, gera resultado previamente tipi?cado em norma ?xadora das infrações administrativas ao meio ambiente.Por todos, confira-se as lições de Paulo José da Costa Júnior:
A ?nalidade endereça-se a um resultado juridicamente irrelevante. A ação culposa caracteriza-se por uma de?ciência na execução da direção ?nal. E esta de?ciência se deve ao fato de a orientação dos meios não corresponder àquela que deveria em realidade ser imprimida para evitar as lesões aos bens jurídicos
[Nexo Causal. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 23]
55. Perceba, então, que, na infração praticada com culpa, não é a ?nalidade que individualiza a conduta juridicamente relevante do agente, e, sim, o modo utilizado para o alcance da ?nalidade; isso, porque é um modo violador de um dever de cuidado e que gera um resultado previsto no tipo infracional. Veja o que Rogério Greco diz sobre o ponto:
Esse dever de cuidado objetivo, dirigido a todos nós, faz com que atentemos para determinadas regras de comportamento, mesmo que não escritas ou expressas, a ?m de convivermos harmoniosamente em sociedade. Cada membro da sociedade parte do princípio de que esse dever de cuidado objetivo será observado pelo seu semelhante. quem precisa de norma expressa para considerar perigosa a conduta daquele que coloca um pesado vaso de ?ores no parapeito de uma janela localizada no 13º andar de um prédio, ou aquele que avança um sinal de trânsito de parada obrigatória, ou mesmo daquele pai, no exemplo de Ney Moura Teles, que deixa a sua arma carregada ao alcance de seus ?lhos menores? Todas essas condutas devem ser evitadas porque infringem um dever de cuidado objetivo. Caso contrário, isto é, caso o agente as pratique e, em consequência, venha a produzir resultados lesivos, terá de responder por eles. [Curso de Direito Penal. 11 ed. Impetus, 2009, p. 203]
56. Além disso, historicamente, consolidou-se três formas de culpa, a denominada in eligendo (em escolher), in vigilando (em vigiar) e in custodiendo (em guardar), as quais permanecem relevantes para o âmbito administrativo e con?guram responsabilidade subjetiva. Assim, por exemplo, se alguém efetua contratação de representante, prestador de serviço ou sociedade sem o devido cuidado, por exemplo, sem que esses possuam habilitação legal, agirá com culpa in eligendo, podendo responder pela infração dos artigos 61-62 do Decreto 6.514/98. Por outro lado, se cabia a uma empresa ?scalizar a execução de uma operação e não adotou a conduta considerável enquanto responsável, caso advenha alguma consequência danosa ao meio ambiente tipi?cada no artigo 61 do Decreto 6.514/2008, será possível imputar-lhe responsabilidade por culpa in vigilando. Ao ?m, se cabia a uma pessoa que possui a guarda de animal silvestre e o deixa escapar por falta de cautela, responde por culpa in custodiendo pela infração do artigo 25 do Decreto 6.514/2008.
57. Cabe aqui um esclarecimento fundamental quando se está a avaliar a culpa in eligendo de órgãos da administração pública na contratação de prestadores de serviço. Observe-se que a discricionariedade da administração é limitada pelas regras dos procedimentos licitatórios, de maneira que, nessas hipóteses, não há que se reputar preenchida a responsabilidade subjetiva uma vez que, como bem apontou o TST, “a necessidade de realização de prévio procedimento licitatório e a sua estrita observância pela Administração Pública afasta a existência de culpa in eligendo” (Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Ag-E-RR-390-54.2013.5.02.0447, rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 23/11/2018).
58. Justamente em razão dessa característica é que não existirá, nos tipos infracionais, menção

a todas as possíveis condutas culposas capazes de gerar o resultado previsto na norma. Explica-se: o artigo 60 do Decreto n. 6.514/08, prevê aumento das sanções administrativas previstas na respectiva subseção, nos casos em que a infração for consumada mediante uso de fogo. A norma não irá descrever, por exemplo, todos os possíveis comportamentos do agente que, por imprudência, negligência, ou imperícia, impeça, mediante uso de fogo, a regeneração natural de áreas de preservação permanente, por exemplo, infração prevista no artigo 48 do Decreto n. 6.514/08. Caberá ao agente de ?scalização, bem assim às autoridades julgadoras, as tarefas de examinar os elementos que integram a infração e de amoldar a conduta do agente ao tipo infracional.
59. Ao lado das formas pelas quais a culpa se manifesta (imprudência, negligência e imperícia) a doutrina penal desdobra a culpabilidade em seus componentes, quais sejam, a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude a exigibilidade de conduta diversa, temas os quais serão abordados quando da análise da exclusão da culpabilidade, mas que, por hora, são assim sintetizados por Guilherme de Souza Nucci:
Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial da ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo Direito (teoria normativa pura, proveniente do finalismo.
[NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 14. ed. Rio de Janeiro, 2018, p. 257]
60. Além da conduta violadora do dever de cuidado e do nexo de causalidade entre essa conduta e o resultado previsto na norma ?xadora das infrações ambientais, os doutrinadores falam da necessidade de previsibilidade objetiva do fato pelo agente. Observe-se, que é necessário apenas que o resultado seja previsível por um agente racional, não se analisando nesse momento uma análise das condições individuais desse. O que se busca nesse momento, como bem aponta Cezar Roberto Bitencourt, em lição de direito penal aplicável ao direito administrativo, é afastar a ocorrência de caso fortuito da conduta culposa:
Sendo, no entanto, imprevisível o resultado não haverá delito algum, pois se tratará do mero acaso, do caso fortuito, que constituem exatamente a negação da culpa
[Tratado de Direito Penal: parte geral. v.1. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 277].
4.5 Da distinção entre responsabilidade subjetiva e elemento subjetivo (psicológico)
61. Conforme apontado acima, resta claro que a exigência de responsabilidade subjetiva para a ocorrência de infração ambiental não se confunde com o requisito de elemento subjetivo (entendido enquanto psicológico), uma vez que se admite, além do dolo, esse sim um elemento psicológico, a culpa, que possui duas formas de expressão: a consciente e a inconsciente. Nessa última modalidade, resta claro que inexiste elemento psicológico (consciência do agente de que age de forma imprudente), mas, nem por isso, deixa o ato de ser reprovado pelo direito. Aquele que simplesmente ignora os deveres exigidos de todos e cujo conhecimento é presumido e exigível pela lei (art. 3º da Lindb) é considerado culpável, inclusive pelo direito penal.
62. Por conta dessa característica de independer de elemento subjetivo é que a culpa é considerada enquanto elemento normativo. Observe-se, contudo, que isso não representa dizer que a culpa inconsciente se trata de responsabilidade objetiva ou culpa presumida, uma vez que na análise da reprovabilidade pelo direito, a avaliação das circunstâncias concretas nas quais o alegado infrator se encontra é o foco, assim, ao se reportar à reprovabilidade da conduta do sujeito, a culpa inconsciente é reputada, igualmente, enquanto responsabilidade subjetiva.
4.6 Do erro de tipo [infracional] e erro de proibição
63. Fundamental à compreensão da responsabilidade subjetiva encontram-se as ?guras denominadas de erro de tipo [infracional] e erro de proibição, uma vez que esses são capazes de desclassi?car o dolo para a culpa ou mesmo excluir a culpabilidade de um agente, o que apresenta relevância, inclusive, para ?ns de autoria e participação, tema que se analisará abaixo em detalhe. Apesar de igualmente estudados no âmbito penal, outras formas de erro não serão aqui tratados, como o erro de tipo permissivo.
64. Dito isso, quanto ao próprio conceito de erro, com precisão aponta Cezar Bitencourt que esse “vicia a vontade, isto é, aquele que causa uma falsa percepção da realidade, tanto pode incidir sobre os elementos estruturais do delito – erro de tipo – quanto sobre a ilicitude da ação – erro de proibição” (Erro de Tipo e Erro de Proibição : uma análise comparativa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 91).
65. Quando se veri?ca o erro (ignorância ou falsa percepção) pelo agente quanto a circunstâncias descritas no tipo infracional, há o chamado erro de tipo, cuja consequência é a exclusão do dolo, mas o que não impede que haja culpa na conduta, de forma que essa deve ser analisada. Assim, se vencível o erro de tipo, a conduta passa a ser considerada culposa, mas se invencível ao agente, então exclui-se também a culpa. Por exemplo, para as infrações ambientais cuja ausência de autorização ou licença da autoridade é elementar, caso o particular creia entenda estar autorizado, haverá culpa, a qual, igualmente é punida, a menos, por exemplo, que haja uma falsidade da qual não participou ou haveria como identificar.
66. Não há que confundir o erro de tipo enquanto erro de fato, uma vez que o tipo possui elementos chamados “normativos”, que dizem respeito a conceitos jurídicos. Nesse particular, merece novamente transcrição Cezar Bitencourt ao referir que “É indiferente que o objeto do erro de localize no mundo dos fatos, dos conceitos ou das normas jurídicas. Importa, isso sim, que faça parte da estrutura do tipo penal. Por exemplo, no crime de calúnia, o agente imputa falsamente a alguém a autoria de um fato de?nido como crime, que, sinceramente, acredita tenha sido praticado (Erro de Tipo e Erro de Proibição, 4. ed., 2007, p. 104).
67. Por sua vez, o erro de proibição não diz respeito às circunstâncias ou quanto à lei em si, mas quanto à ilicitude do ato, ou, como exempli?ca Bitencourt, “faz juízo equivocado daquilo que lhe é permitido fazer em sociedade”. (Erro de tipo e erro de proibição , p. 105). Por exemplo, o agente não equivocando-se quanto à ocorrência do tipo infracional, crê, aí sim equivocadamente, que o dispositivo legal foi revogado, pratica a conduta, haverá erro de proibição. Tal tipo de erro, pode ser vencível ou

invencível, sendo na primeira hipótese de culpa, a qual é excluída na segunda. O Direito, ao aceitar o erro de proibição, não está escusando o desconhecimento da lei como fundamento ao ilícito, uma vez que tal é vedado pelo artigo 3º da Lindb, mas devidamente classi?cando dentro da responsabilidade subjetiva a situação.
68. No âmbito do direito ambiental, ante a relevância que possuem as normas administrativas de conteúdo técnico e dos atos administrativos de licença ou autorização, a existência de erro de proibição nessas atividades especialmente regulamentadas deve ser vista com maior cuidado, como aponta Cezar Bitencourt, doutrinando quanto ao direito penal:
Esse ônus se impõe não apenas aos administradores públicos, mas também àquelas pessoas que exercem determinadas atividade ou pro?ssões que são especialmente regulamentadas, nas quais, se não forem seguidas as normas regulamentares, a conduta poderá tornar-se ilícita. Às vezes, a mera omissão de uma formalidade, por exemplo, pode con?gurar em comportamento proibido. Não poderão alegar que não sabiam que deviam agir dessa e não daquela forma. Assim, quanto às atividades especialmente regulamentadas antes de serem executadas, precisam os agentes informar-se sobre o modo ou a forma de realizá-las.
[Erro de Tipo e Erro de Proibição, 4. ed., 2007, p. 123]
69. Diga-se, contudo, que não raro existem situações limites nas quais há posições antagônicas dentro da própria administração e que demandam uniformização, ou mesmo quanto aos efeitos de ações de efeitos erga omnes, hipótese nas quais, por exemplo, seria cogitável o erro de proibição, inclusive, invencível.
5. DAS EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE
70. Como apontado acima quanto ao conceito normativo de culpa, são de?nidos enquanto seus requisitos a imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa e a potencial consciência da ilicitude, de forma que a inexistência desses requisitos implica a inexistência de culpa.
71. Ocorre que, em se tratando de excludentes, o ônus probatório pertence originalmente ao autuado, sem que isso implique em inversão de carga probatória. Isso se deve ao fato de que a lei pressupõe a sanidade mental dos cidadãos (tanto é que determina incidentes como e decisões judiciais/administrativas para seu afastamento como previsto, por exemplo, no art. 160, parágrafo único, da Lei 8.112/90, art. 747 e ss. do CPC e art. 149 e ss. do CPP), sua autodeterminação (art. 1º do Código Civil) e o conhecimento das normas (art. 3º da Lindb).
72. Em se tratando de presunções iuris tantum a sanidade mental, a liberdade de ação e a consciência da ilicitude dos cidadãos, é consequência lógica e jurídica que seja prova robusta para o seu afastamento. Nesse tom, conforme disposto no artigo 118 do Decreto n. 6.514/08, cabe ao autuado alegá-las e comprová-las, salvo se dessas tenha tomado ciência inequívoca o ?scal ou autoridade, v.g., pessoa com problema mental evidente ou com a capacidade afastada por decisão judicial, quando, poder-se-á discutir a culpa in vigilando do curador.
73. Observe-se, ainda, que, como se apontará no tópico quanto ao concurso de pessoas, aqueles imputáveis que utilizem de inimputável, pessoa em inexigibilidade de conduta diversa ou daquele que age em erro são sujeitos a ter a conduta dessas a si imputada por autoria mediata, respondendo pela infração ambiental. Ademais, é cogitável culpa in vigilando do responsável legal quando existente.
74. Dito isso, cabe analisar as excludentes e suas principais manifestações quanto aos seus efeitos.
5.1 Inimputabilidade administrativa
75. A inimputabilidade, a qual representa a inaptidão de alguém em discernir o certo e errado, retirando, por isso, sua reprovabilidade social (ou culpabilidade), pode ser conceituado, consoante observa Guilherme de Souza Nucci como o “conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e vontade, que permite ao agente ter o entendimento do caráter ilícito do fato, comportando-se de acordo com esse conhecimento. O binômio necessário para a formação das condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade” (Manual de Direito Penal. 14. ed. , 2018, p. 264).
76. No que diz respeito à sanidade mental, diante da redação do artigo 79 da Lei 9.605/98, a remissão da conceituação deve ser realizada na forma do caput do artigo 26 do Código Penal, o qual, apesar da linguagem um tanto defasada conceitua inimputável enquanto aquele que “por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.” Tal situação deve, necessariamente, ser assentada por correspondente laudo técnico ante a adoção pela nossa legislação do critério biopiscológico (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 14. ed. 2018, p. 269).
77. O Código Penal excepciona do reconhecimento da inimputabilidade a emoção, a paixão e a intoxicação voluntária ou culposa por substância de efeitos análogos, hipótese nas quais será considerado o agente culpável, na forma do artigo 28 do Código Penal, aplicável às infrações administrativas por conta do artigo 79 da LCA. A exceção a essa regra se encontra no caso quase acadêmico da pessoa vir a se encontrar intoxicado por caso fortuito ou força maior, quando será considerado inimputável.
78. Quanto à maturidade, a OJN 30/2012/PFE/IBAMA admite a aplicação de penalidade a menores de idades, contudo, essa merece reparo diante da responsabilidade subjetiva para o caso das crianças, de?nidas pelo ECA enquanto a pessoa até doze anos de idade incompletos (art. 2º, primeira parte, da Lei 8.069/90). Isso porque, embora o ECA preveja que essas possam cometer ato infracional, diferentemente do adolescente, as medidas aplicadas a esses visam apenas à sua exclusiva proteção, sem conteúdo repressivo, uma vez que o artigo 105 do diploma remete exclusivamente às medidas do artigo 101 do Estatuto:
Art. 105 do ECA. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101.

79. Essa é a exata lição de Nucci quanto ao disposto no artigo 105 do ECA:
Ato infracional e criança: conforme expusemos na nota 2 do Título III supra, a criança merece, acima de tudo, proteção, enquanto se desenvolve, paulatinamente, o seu processo educacional. Portanto, embora possa praticar ato infracional – dos mais leves aos mais graves –, o seu discernimento a respeito é mínimo para que se possa aplicar uma medida de caráter repressivo, ainda que camu?ada sob qualquer titulação. Diante disso, corretamente, esta Lei prevê a aplicação exclusiva de medidas de proteção, previstas no rol do art. 101. “A fundamentação deste dispositivo está em consonância com as regras de Beijin no que se refere à violação dos direitos da criança, reconhecidas internacionalmente, em que a culpabilidade da situação que provocou o ato infracional não recai sobre a criança. Por isso, o art. 101 baseia-se nas hipóteses previstas no art. 98 para fundamentar as medidas especí?cas de proteção. São medidas que visam à garantia e proteção dos direitos mais fundamentais e que, com a urgência necessária, que certamente requer a situação, recolocarão em normalidade social e psicológica a vida da criança.
[Roberto José dos Santos, in Munir Cury [org.], Estatuto da Criança e do Adolescente comentado, p. 529) (NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da criança e do adolescente comentado. 4a ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2018]
80. Assentado que não se equiparem a imputabilidade penal com a aquela das infrações ambientais administrativas, a inviabilidade de aplicação de penalidades administrativas ambientais para crianças deriva do diálogo das fontes entre o ECA e a Lei n. 9.605/98. A teoria do diálogo das fontes, como ensina Lima Marques, é teoria cunhada por Erik Jayme em seu Curso Geral de Haia de 1995, que aponta que, no direito contemporâneo “com fontes legislativas plúrimas, ressurge a necessidade de coordenação entre as leis no mesmo ordenamento, como exigência para um sistema jurídico e?ciente e justo.” (MARQUES, Claudia Lima. Diálogo das fontes. In: BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 135-154, p. 135) Tal teoria restou adotada pelo Supremo Tribunal Federal em casos como a ADI 5610, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 08/08/2019.
81. Assim, mediante a aplicação do diálogo das fontes entre o artigo 105 do ECA e o artigos 2º c/c 70 da Lei 9.605/98, veri?ca-se que, se a criança não é sujeita a regime punitivo sequer pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, recebendo apenas tratamento protetivo, necessariamente há que se reconhecer inimputabilidade administrativa ambiental a essas.
5.2 Inexigibilidade de conduta diversa
82. A primeira forma pela qual a inexigibilidade de conduta diversa encontra previsão expressa no ordenamento penal brasileiro diz respeito à coação moral irresistível, prevista no artigo 22 do CP, a qual demanda que o agente pratique o ato ilícito sob ameaça concreta, exequível, grave e iminente, a qual é apta a retirar a reprovabilidade daquele que atua. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v.1. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 367-368). No âmbito das infrações ambientais, caso mais comum diz respeito às pessoas reduzidas à condição análoga de escravos quando realizada por meio, v.g., da ameaça de violência.
83. Quanto à obediência hierárquica, prevista no mesmo artigo 22 do Código Penal, exige-se que o vínculo entre os agentes seja de direito público e que a ordem obedecida não seja manifestamente ilegal para servidores civis. Aos servidores militares, a ordem não pode ser criminosa, exigindo-se uma ilegalidade qualificada.
84. Ocorre que, embora inexista de forma expressa na legislação de cunho penal um dispositivo inequívoco prevendo uma discriminante geral de situações nas quais o agente agiria sob excludente de inexigibilidade diversa, o Superior Tribunal de Justiça admite sua existência no ordenamento pátrio por ser integrante do próprio conceito de culpabilidade. Por todos, veja-se:
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. QUESITAÇÃO AOS JURADOS SOBRE A TESE DE INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. CAUSA SUPRALEGAL. CIRCUNSTÂNCIA QUE INTEGRA O CONCEITO DE CULPABILIDADE. POSSIBILIDADE, EM TESE, DESDE QUE SE APRESENTEM AO JÚRI QUESITOS SOBRES SOBRE FATOS E CIRCUNSTÂNCIAS, NÃO SOBRE TESES OU MEROS CONCEITOS JURÍDICOS. NULIDADE ABSOLUTA. REALIZAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO.1. Há cerceamento de defesa
no indeferimento de quesito correspondente à tese defensiva de exclusão da culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa.2. Ordem concedida.
[STJ, 5a T., HC 150.985/PE, rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro (des. Conv.), j. em 23/11/2010]
85. Dito isso, embora aceita jurisprudencialmente a excludente de culpabilidade, a inexigibilidade de conduta diversa não pode ser acatada apenas com fundamento econômico, como apontara o Tribunal da Cidadania: “Acolher-se a tese de que a conduta do réu é justi?cada pela difícil situação econômica vivida nos dias atuais implica necessariamente negativa de vigência ao disposto na lei penal” (REsp 628.688/RJ).
86. Tal ressalva no âmbito do direito ambiental sancionador se mostra fundamental, uma vez que não raro se veri?cam lesões ao meio ambiente por como forma de contornar-se di?culdades ?nanceiras, sendo, inclusive, essa a principal fundamentação de determinado tipo de infrações. Nesses casos, embora tal situação possa e deva ser considerada para ?ns de dosimetria da sanção, não é apta a excluir a culpabilidade do agente, uma vez que o artigo 225 da CF reputa que a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado é dever da coletividade.
5.3 Ausência de potencial consciência da ilicitude
87. O tema referente à ausência de potencial consciência da ilicitude diz respeito ao erro de proibição, já analisado acima.
6. DOS REFLEXOS DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA NO CONCURSO DE PESSOAS
88. Sendo a infração ambiental cometida por apenas uma pessoa, seja física ou jurídica, será a

essa imputado o ilícito caso preenchidos os requisitos legais, sofrendo, por isso, as consequências previstas. A questão torna-se complexa quando se trata de infração com pluralidade de agentes é que tem lugar a temática denominada “concurso de pessoas”, estudada especialmente no âmbito do Direito Penal.
89. Veja-se que o tema do concurso de pessoas é autônomo aquele da responsabilidade subjetiva, contudo, a aplicação dessa possui repercussões naquele.
90. Preliminarmente, cabe referir que, embora parte da doutrina entenda que a punibilidade da participação em infrações depende de previsão legal, quando se fala nas infrações ambientais, tal questão resta superada, uma vez que há previsão nesse sentido no parágrafo único do artigo 3º da Lei n. 9.605/98:
Entretanto, no Direito Administrativo há necessidade de norma jurídica determinar e regular a co-autoria na infração administrativa. Cuida-se de norma que expande, estende, amplia a e?cácia de outra norma jurídica, a qual, por sua vez, contém a conduta ilícita e as conseqüências respectivas, isto é, as penalidades.
Não havendo norma jurídica estabelecendo a co-autoria, se diversos autores praticarem o ilícito, ainda que estejam previamente ajustados e o cometam com identidade de vontades, cada qual sofrerá a respectiva sanção, independentemente da conduta dos outros – isto é, as condutas serão consideradas autônomas uma das outras: cada autor responderá na medida de sua conduta, considerada isoladamente. Assim, se duas ou mais pessoas deixarem de cumprir as normas sanitárias, embora com desígnios de propósitos e ajustados, cada uma delas responderá pelo ilícito administrativo, autonomamente.
[…]
O tema tem especial relevo na participação: se determinada pessoa, embora não praticando a infração, isto é, não executando o tipo da norma, instiga ou induz alguém à prática do ilícito administrativo, na falta de texto expresso, não responderá por seus atos. Apenas os autores (executores) da infração administrativa serão punidos.
Os conceitos jurídicos de autor e de partícipe não se confundem. Como são diversas as categorias conceituais, somente por norma expressa pode-se atribuir à participação idênticas conseqüências jurídicas da autoria.
Acrescente-se, se houvesse aplicação da norma do Direito Penal relativa à co-autoria (art. 29), haveria analogia in malam partem, vedada em tema de sanções administrativas.
Assim, sem norma expressa, não se admite a co-autoria no ilícito administrativo.
Por exemplo, a citada Lei 9.605, de 12.2.1998, que dispõe sobre sanções penais e administrativas referidas ao meio ambiente, no artigo 3º estabelece: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”
[VITTA, Heraldo Garcia. Aspectos da imposição de penalidades administrativas, Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, n. 78, p. 31-48, jul./ago. 2006]
91. Dito isso, assentado o regime da autoria e participação sem regramento especí?co, bem como a responsabilidade subjetiva, veri?ca-se que seu regime, na forma do artigo 79 da Lei n. 9.605/98, é aquele previsto no Código Penal, em seus artigos 29 e seguintes especialmente (com exceção das reduções de penalidades previstas no art. 29, §§ 1º e 2º, do CP, uma vez que a matéria é objeto da legislação sancionatória administrativa):
Art. 3º da Lei n. 9.605/98. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas,
autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato .
Art. 79 da Lei n. 9.605/98. Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.
TÍTULO IV
DO CONCURSO DE PESSOAS
Art. 29 do CP – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º – Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º – Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Circunstâncias incomunicáveis
Art. 30 do CP – Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Casos de impunibilidade
Art. 31 do CP – O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
92. No direito brasileiro, é majoritária entre a doutrina a teoria formal-objetiva do concurso de pessoas (cf. BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes: uma investigação sobre os problemas da autoria e da

participação no direito penal brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 61), segundo a qual o autor é aquele que realiza o tipo (infracional no que interessa ao presente parecer), sendo considerado partícipe aquele que, por meio de instigação ou apoio material, contribuiu causalmente ao delito.
93. Contudo, tendo em vista as críticas a essa posição teórica, especialmente no que diz respeito à autoria mediata, acabou ganhando relevo na doutrina e reconhecimento jurisprudencial, em especial a partir do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (Pleno) da Ação Penal 470, a conhecida teoria do domínio do fato, segundo a qual “Embora o domínio do fato suponha um controle ?nal, ‘aspecto subjetivo’, não requer somente a ?nalidade, mas também uma posição objetiva que determine o efetivo domínio do fato” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal : parte geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 440).

Reconhecimento da Responsabilidade Subjetiva Ambiental – PARTE 2

Reconhecimento da Responsabilidade Subjetiva Ambiental – PARTE 2

CONTINUAÇÃO…

94.
95.
96. Observe-se, nesse momento, que não se busca esgotar um dos temas mais complexos e discutidos da dogmática jurídica e sim ?xar a base teórica su?ciente para operacionalizar a justa aplicação de penalidades na esfera administrativa com a segurança jurídica su?ciente, pelo que, a seguir, as consequências jurídicas da interação das teorias acima delineadas serão sintetizadas, sem prejuízo que eventuais questionamentos deem origem a consultas futuras da administração. Não serão, por exemplo, delineadas as eventuais restrições da aplicação da teoria do domínio do fato a infrações sob a forma culposa ouque exijam uma condição pessoal.
97. Apenas cabe referir que, conforme o próprio criador da teoria do domínio do fato, Claus Roxin, essa não se aplica a crime omissivos: “Junto a los delitos de dominio, se introduce en esta obra la categoría de los delitos de infracción de deber, en los que (con arreglo a la concepción aquí desarrolada) no es el domingo del hecho lo que fundamenta la autoría, sino la infracción de un deber especial extrapenal” (Autoría y Dominio del Hecho en Derecho Penal. 7. ed. Madrid: Marcial Pons, 2000, 742).
98. Assim, de maneira simpli?cada, é autor imediato todo aquele que pratica o tipo infracional ou, segundo a teoria do domínio do fato, que possui domínio da ação (GRECO, Luís; LEITE, Alaor. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato. Sobre a distinção entre o autor e o partícipe no direito penal. In: GRECO, Luís et. al. Autoria como Domínio do Fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 19-46, p. 25).
99. Por sua vez, a autoria mediata, segundo a teoria do domínio do fato, fundamenta-se não no domínio da ação, mas no domínio da vontade. Autor mediato, assim, é aquele que usa outro como seu mero instrumento (GRECO, Luís; LEITE, Alaor. op. cit., p. 26). São casos de domínio da vontade aqueles no qual o autor mediato coage, induz ou aproveita erro de outrem, emprega inimputável ou pessoa amparada por causa excludente de culpabilidade (PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro : parte geral e parte especial. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019).
100. A essas formas de domínio da vontade se soma aquela conhecida enquanto domínio do aparato organizado de poder cuja definição é bem apresentada por Greco e Leite:
Aquele que, servindo-se de uma organização verticalmente estruturada e apartada, dissociada da ordem jurídica, emite uma ordem cujo cumprimento é entregue a executores fungíveis, que funcionam como meras engrenagens de uma estrutura automática, não se limita a instigar, mas é verdadeiro autor mediato dos fatos realizados. Isso signi?ca que pessoas em posições de comando em governos totalitários ou em organizações criminosas ou terroristas são autores mediatos, […] [GRECO, Luís; LEITE, Alaor. op. cit., p. 27-28]
101. Além disso, embora o doutrinador que consolidou a teoria, Claus Roxin, assim não se manifeste, a jurisprudência alemã e a brasileira, esta com apoio no Supremo Tribunal Federal (HC 127.397), admite que o domínio do aparato organizado de poder ocorra por meio de estruturas empresariais, as quais não seriam “dissociadas da ordem jurídica” como pregava a posição original acima referida.
102. Importante ressaltar que, no julgado acima apontado, resta claro que o Supremo Tribunal Federal não acata a posição superior enquanto presunção de autoria, sendo indispensável a comprovação cabal dos pressupostos teóricos e probatórios para aplicação da teoria do domínio do fato:
Não há óbice para que a denúncia invoque a teoria do domínio do fato para dar suporte à imputação penal, sendo necessário, contudo, que, além disso, ela aponte indícios convergentes no sentido de que o Presidente da empresa não só teve conhecimento do crime de evasão de divisas, como dirigiu ?nalisticamente a atuação dos demais acusados. Assim, não basta que o acusado se encontre em posição hierarquicamente superior. Isso porque o próprio estatuto da empresa prevê que haja divisão de responsabilidades e, em grandes corporações, empresas ou bancos há controles e auditorias exatamente porque nem mesmo os sócios têm como saber tudo o que se passa.
[STF. 2ª T., HC 127.397/BA, rel. Min. Dias Toffoli, j. em 6/12/2016 – Info 850]
103. Re?ra-se, enquanto na autoria mediata, ao autor mediato é imputável o ato do autor imediato, ainda que esse não seja culpável, a recíproca não é verdadeira, no que se diferencia da coautoria (GRECO, Luís; LEITE, Alaor. op. cit., p. 43).
104. São requisitos da coautoria conforme Guilherme de Souza Nucci: a) existência de mais de um agente, b) relação de causalidade material entre as condutas desenvolvidas e o resultado, c) vínculo de natureza psicológica ligando as condutas entre si, sem necessidade de ajuste prévio; reconhecimento da prática da mesma infração para todos; e) existência de fato punível (Manual de Direito Penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 341).
105. Dessa forma, a coautoria se dá quando cada coautor realiza uma parte da descrição típica infracional, bem como quando, segundo a teoria do domínio do fato, se veri?ca o domínio funcional do fato, no qual há uma atuação coordenada em divisão de tarefas por múltiplos agentes, de maneira que esses possuem o domínio do fato (GRECO, Luís; LEITE, Alaor. op. cit., p. 43).
106. Diferencia-se da coautoria, a chamada autoria lateral, na qual inexiste elemento subjetivo comum entre os indivíduos que contribuem para um mesmo ato ilícito (BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 452).
107. Por derradeiro, não sendo autor ou coautor, pode ser punido a título de participação aquele que, sem praticar atos típicos ou possuir domínio do fato, oferece “colaboração dolosa em um fato

alheio. É a contribuição dolosa – sem o domínio do fato – em um fato punível doloso de outrem.”, sendo necessário apenas que a ação seja apenas típica, sendo que a eventual justificação do partícipe deve ser pessoalmente avaliada, ante a adoção da teoria da acessoriedade mínima vigente no Brasil (PRADO, Luis Regis. Op. cit.).
108. Em sentido semelhante e exempli?cando com infrações administrativas ambientais, encontra-se o magistério de Heraldo Garcia Vitta ao conceituar a participação:
Já o partícipe é a pessoa que, embora não praticando a conduta descrita na norma, de outro modo concorre para a sua realização. A pessoa que instiga o motorista a dirigir o veículo sem a carteira de habilitação e a pessoa que fornece aparatos para que outro indivíduo coloque fogo na mata são consideradas partícipes do ilícito administrativo, porque não realizaram a conduta, por assim dizer, típica, descrita na norma jurídica, ou seja, no primeiro caso, dirigir sem a devida habilitação; no segundo, colocar fogo na mata. [Aspectos da imposição de penalidades administrativas, Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, n. 78, p. 31-48, jul./ago. 2006]
109. A participação pode ser agrupada em duas principais formas (BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 444-446):
a. instigação (participação moral), na qual o partícipe age sobre a vontade do autor, quer provocando para que surja a vontade de cometer o crime ou estimulando a ideia existente;
b. cumplicidade (participação material), na qual o partícipe oferece auxílio, seja através do auxílio na preparação, na execução ou mediante ato omissivo, sendo clássico o exemplo do empréstimo do objeto material usado no ato ilícito.
110. Cabe acrescer que, no âmbito doutrinário brasileiro, diferentemente do espanhol, não se admite a participação em ilícito culposo, para os quais entende-se que há co-autoria (BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 451) ou, eventualmente, autoria colateral (BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 158).
111. Ao ?m, deve ser mencionado que, embora sob o aspecto material, se veri?que a coautoria ou participação, sob o aspecto formal, o auto de infração pode ser individual por autuado, na forma do artigo 28, § 4º, da antiga IN Ibama 10/2012 e atual artigo 15 da IN Conjunta MMA/IBAMA/ICMBIO 02/2020, sendo que, nessa última, há a possibilidade, caso haja viabilidade de sistema, de inclusão de múltiplos autuados.
7. DOS EFEITOS INTERTEMPORAIS DA PRESENTE ORIENTAÇÃO JURÍDICA NORMATIVA
110. Inicialmente, como apontado acima, o regime de responsabilidade previsto na OJN n. 26/2011 não dizia respeito à teoria do risco integral, admitindo excludentes como caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiros, fato que aproximava em muito a posição da orientação com aquela da própria responsabilidade subjetiva, o que foi inclusive mencionado na própria OJN n. 26/2011 ao aludir que “Pode-se concluir que a responsabilidade ambiental administrativa insere-se entre a responsabilidade civil objetiva e a responsabilidade penal subjetiva. Assemelha-se e distingue-se de ambas.”.
111. Na verdade, as diferenças efetivas entre a teoria do risco criado e aquela da responsabilidade subjetiva concentram-se especialmente em situações pessoais do agente classi?cadas enquanto “excludentes de culpabilidade”, antes abordadas.
112. Dito isso, há que se observar que, embora a culpabilidade do agente deva estar presente para a con?guração da infração, essa diz respeito à uma exigência material da infração e não formal (até porque não exigida menção explícita no Decreto n. 6.514/08 ou nas Instruções Normativas Ibama 10/2012 ou Conjunta MMA/IBAMA/ICMBio 02/2020). Observe-se que, conforme de?nido pelo Supremo Tribunal Federal, os elementos aptos a ensejar uma condenação em âmbito penal podem estar implicitamente contidos na imputação sem que haja prejuízo à correlação dessa para com a decisão:
É sempre importante relembrar, Senhor Presidente, considerados os princípios constitucionais que regem o processo penal condenatório em nosso sistema jurídico, que o réu não pode ser condenado por fatos cuja descrição não se contenha, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa, impondo-se, por tal razão, ao Estado, em respeito à garantia da plenitude de defesa, a necessária observância do princípio da correlação entre imputação e sentença (“quod non est in libello, non est in mundo”).
[…]
Essencial, portanto, que a peça acusatória, em exposição narrativa, descreva, com precisão, ainda que implicitamente, o fato e o comportamento atribuídos ao réu, bem assim as circunstâncias inerentes ao evento delituoso (RTJ 170/187, v.g.), para que o acusado não sofra qualquer restrição ou gravame no exercício – que há de ser pleno – do seu direito de defesa:
[…]
Vê-se, daí, que ofenderá o sistema acusatório, tal como estruturado em nosso ordenamento jurídico, a decisão proferida por magistrado que pronuncie, de ofício, agravante genérica sequer referida na imputação penal, ou, então, que reconheça circunstância elementar não constante, explícita ou implicitamente da denúncia, ou, ainda, que reconheça a prática de fatos delituosos não descritos na peça de acusação, pois, em assim procedendo, o juiz incorrerá em evidente desrespeito à garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório (RT 424/320 – RT 458/301 – RT 523/525 – RT 555/377 – RT 720/509, v.g.).
[…]

Entendo, bem por isso, na linha do douto voto do eminente Relator, que encontra inteiro suporte legitimador na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal

de Justiça, que se impõe reconhecer, na espécie, a ocorrência de ofensa ao princípio da correlação entre acusação e sentença, pois, no caso, a condenação foi baseada em fatos não descritos, ainda que implicitamente, na denúncia:
[Voto do Min. Celso de Mello na AP 975, rel. Min. Edson Fachin, 2a Turma, j. em 03/10/2017,
DJe 02/03/2018]
113. Em outras palavras, a adoção da responsabilidade subjetiva das infrações ambientais não signi?ca e nem pode signi?car que são inválidos os autos de infração/decisões que não apresentem as palavras dolo ou culpa em seu conteúdo. Como apontado acima, o dolo e a culpa são extraídos a partir das circunstâncias objetivas de um fato, sendo, no caso do elemento subjetivo, provado indiretamente.
114. Assim, a aplicação de uma penalidade que descreve, por exemplo, o uso de trator para derrubada de vegetação por um agente sem autorização da autoridade competente indica, evidentemente, conduta, ao menos, culposa. Além disso, a culpabilidade sempre foi um critério de dosimetria das infrações (art. 28, § 4º, da IN Ibama 10/12).
115. Com isso objetiva-se deixar claro que, embora devam ser analisados sob o prisma da responsabilidade subjetiva, os autos de infração aplicados e julgados sob a vigência da OJN n. 26/2011 não são censurados pela mudança da posição se presentes, ainda que implicitamente, dolo ou culpa do agente.
116. Essa posição tem encontrado ressonância no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que tem admitido que, apesar da alteração de posição da Corte, autos baseados em responsabilidade objetiva restam incólumes se verificada a responsabilidade administrativa do infrator ambiental:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE MULTA AMBIENTAL. VAZAMENTO DE ÓLEO DIESEL EM ÁGUAS FLUVIAIS E ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE.ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS.
489 E 1.022 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS, NO ACÓRDÃO RECORRIDO. I N C O N F O R M I S M O . RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL RECONHECIDA, PELO ACÓRDÃO RECORRIDO.CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. ACÓRDÃO COM FUNDAMENTO EM LEI LOCAL. REVISÃO.IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280/STF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL PREJUDICADA. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.I. […]
IV. Em recente julgado, proferido pela Primeira Seção do STJ, nos autos dos EREsp 1.318.051/RJ (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 12/06/2019), paci?cou-se o entendimento no sentido de que a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), devendo obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida, pelo alegado transgressor, com demonstração do elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
V. No caso dos autos, todavia, o reconhecimento da tese de responsabilidade ambiental subjetiva, para casos de aplicação de penalidades administrativas, não tem o condão de alterar o que fora decidido na decisão agravada, uma vez que o Tribunal de origem, com base no exame dos elementos fáticos dos autos, reconheceu a responsabilidade ambiental da parte agravante no evento danoso, consignando que “a apelante não tomou medidas de emergência visando conter o avanço do óleo no Rio, a despeito de noti?cação do órgão ambiental nesse sentido”. Registrou o aresto, ainda, que “o fato de o vazamento ter sido causado devido à tentativa de furto de combustível em uma das válvulas do oleoduto não pode ser considerado causa excludente de ilicitude”, pois “as próprias testemunhas da ré informaram que os dispositivos de segurança da válvula eram ine?cazes para evitar a ação de ladrões de combustíveis, o que causa espanto, pois não se pode conceber como uma empresa do porte da apelante não invista em estrutura básica de segurança com a ?nalidade de evitar desastres ambientais como os noticiados”.
V I . O entendimento ?rmado pelo Tribunal a quo – no sentido de que restou configurada a responsabilidade administrativa ambiental da agravante no evento danoso – não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. […] (STJ, AgInt no REsp 1.590.388/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 24/03/2017).
X. Agravo interno improvido.
[STJ, 2 T., AgInt no AREsp 1.458.422/SP, rel. Min. Assusete Magalhães, j. em 17/12/2019, DJe
19/12/2019 – sem destaques no original]
117. Assentada essa condição, cabe perquirir acerca da eventual aplicação de modulação da tese na forma dos artigos 23 e 24 da Lindb, regulamentados pelo Decreto n. 9.830/2019. Nesse sentido, reputo que deve ser esclarecida uma situação: as OJNs são consolidação de entendimentos consultivos cuja obrigatoriedade se dá no âmbito da PFE-IBAMA/PGF no exercício dessa função por seus membros (Portaria PFE-Ibama 01/2012), não ostentando conteúdo decisório.
118. Assim sendo, tendo em vista que a Lindb regra atos de conteúdo decisório, não seria viável a modulação da OJN em si, mas que eventualmente fosse sugerido à autoridade a que cabe decidir acerca do tema acerca de eventual modulação do entendimento. A avaliação dessa recomendação possui o caráter consultivo deve se pautar nos mesmos critérios desse tipo de análise.
119. Superado tal fato, há que se abordar ainda uma questão preliminar, qual seja, a OJN n. 26/2011 não se encontrava em plena consonância com nenhuma das correntes jurisprudenciais então existentes no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Veja-se que no acórdão paradigma da responsabilidade objetiva, a tese adotada vedava a exclusão da responsabilidade administrativa por fato de terceiros (a qual consta expressamente, inclusive, na ementa da OJN). Veja-se o trecho do Voto do

Relator em que tal situação se mostra cristalina:
A esse respeito discorreu Paulo Afonso Leme Machado in “Direito Ambiental Brasileiro”, Malheiros, 11ª ed., 2003, p. 862:
“O art. 7º, caput, primeira parte, da Lei 7.661/88 diz que: ‘A degradação dos ecossistemas, do patrimônio e dos recursos naturais da Zona Costeira implicará ao agente a obrigação de reparar o dano causado’. A reparação do dano, portanto, é concomitante com a sujeição à sanção administrativa. Dessa forma, diante da fragilidade do ecossistema litorâneo, não se poderá aplicar a dedução da multa quando houver a reparação do dano, como prevê para outros danos ambientais o art. 45 do Decreto 88.351/83. A responsabilidade civil, evidentemente, continua pelo sistema da responsabilidade independente de culpa no que concerte ao meio ambiente e ao patrimônio cultural. (art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81).”
Assinale-se, por ?m, que a eventual exoneração da recorrente por culpa de terceiro, poderá ser aferida em ação regressiva, inter partes; entre o dono da embarcação e a Petrobrás, em demanda infensa à Administração, exorbitante por força da responsabilidade pelo risco integral, como vem sendo aplicada v.g., nos derramamentos de óleo noticiados recentemente. (REsp 467.212/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/10/2003, DJ 15/12/2003, p. 193, Voto do Relator, grifos no original)
120. Além disso, no âmbito do REsp 1318051/RJ, no qual o Exmo Ministro Benedito Gonçalves adotada a tese do Exmo. Ministro Fux expressamente, há também trecho que adota para a responsabilidade civil e administrativa o mesmo paradigma (o que foi objeto de discordância da OJN n. 26/2011):
Pois bem, ao contrário do entendimento da recorrente, é objetiva a responsabilidade administrativa ambiental. Deveras, esse preceito foi expressamente inserido no nosso ordenamento com a edição da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981). Tanto é assim, que o § 1º do art. 14 do diploma em foco de?ne que o poluidor é obrigado, sem que haja a exclusão das penalidades , a indenizar ou reparar os danos, independentemente da existência de culpa. Oportuna é transcrição do dispositivo em comento:
§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Dessarte, é extreme de dúvida que são independentes as esferas de responsabilidade, mas, em se tratando das responsabilidades civil e administrativa, a Lei n. 6.938/1981 tratou de elidir a culpa e o dolo para a imputação de penalidades e obrigação de indenizar ou reparar o dano. Essa é a exegese que se infere da primeira parte do § 1º do art. 14 do dispositivo sob exame (REsp 1318051/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 12/05/2015, Voto do Relator, grifos no original
121. Além disso, mesmo que se assumisse para ?ns de argumentação a existência de identidade entre a posição da OJN e aquela da responsabilidade objetiva constante dos julgados acima, não é possível a?rmar que se chegou a veri?car uma jurisprudência em prol da responsabilidade administrativa ambiental objetiva, porquanto à época da edição da OJN havia apenas um acórdão do STJ e de uma turma, não havendo estabilidade nos Tribunais Regionais Federais. Veja-se, por exemplo, que o TRF4 em 2008 (TRF4, 4 T., AG 2008.04.00.011079-5, , Rel. Des. Fed. Edgard Antônio Lippmann Júnior, D.E. 26/05/2008), o TRF1 em 2011 (5 T., AC 0020056-89.2005.4.01.3500, rel. Des. Fed. João Batista Moreira, e-DJF1 04/03/2011, p. 443), cuja tese se viu repetida até, pelo menos, 2017 (6 T., AC 0029398- 15.2010.4.01.3900, rel. Maria da Penha Gomes Fontenelle Meneses (conv.), e-DJF1 04/08/2017), adotaram a teoria subjetiva.
122. Nesse sentido, inexistindo jurisprudência em prol da responsabilidade objetiva, que se viu rechaçada no EREsp n. 1318051/RJ, inviável a aplicação do artigo 927, § 3º, do CPC que exige tal requisito para a realização da modulação de entendimento. Diga-se, a jurisprudência do STJ tem sido bastante restritiva com a aplicação do dispositivo, esclarecendo a importância de que a modulação não crie insegurança jurídica ou ?ra a isonomia entre os jurisdicionados, como se veri?ca do seguinte julgado:
RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 2. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE IPI NA IMPORTAÇÃO DE PRODUTO INDUSTRIALIZADO PARA USO PRÓPRIO. ADEQUAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ FIRMADA NO RECURSO REPETITIVO RESP. N.1.396.488/SC (TEMA N. 695) AO POSICIONAMENTO FIRMADO PELO STF.MODULAÇÃO DE EFEITOS. IMPOSSIBILIDADE. VINCULAÇÃO DO STJ AO QUE DECIDIDO PELO STF TAMBÉM QUANTO À MODULAÇÃO.
[…]
4. Tendo a jurisprudência deste STJ sido construída em interpretação de princípio constitucional, urge inclinar-se esta Casa ao decidido pela Corte Suprema competente para dar a palavra ?nal em temas de tal jaez, notadamente em havendo julgamento de mérito em sede de repercussão geral.
5. Muito embora tenha havido mudança de orientação jurisprudencial deste STJ, não é possível, para o caso, a modulação de efeitos tendo em vista que: 1º) a jurisprudência dentro do próprio STJ sempre foi controvertida quanto ao tema , alcançando paci?cação somente quando do julgamento do próprio recurso representativo da controvérsia REsp nº 1.396.488/SC julgado em 25.02.2015, havendo curta vigência deste;e 2º) em casos onde a alteração da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ deriva de adequação a julgado posterior proferido pelo Supremo Tribunal Federal – STF (overruling vertical) a modulação de efeitos deve seguir a mesma solução dada também pelo STF, sob pena de permanecer a situação que se quer evitar de duplicidade de soluções

judiciais para uma mesma questão, a fomentar insegurança jurídica (os Tribunais inferiores não saberão qual posicionamento seguir para o período), ine?ciência da prestação jurisdicional (pois a parte prejudicada irá interpor recurso extraordinário/especial para afastar ou garantir a modulação) e desigualdade no tratamento dos jurisdicionados (pois o processo sofrerá solução diferente de acordo com o tribunal destinatário do recurso final).
6. Ou seja, se o STF decidiu pela modulação, solução idêntica há que ser adotada pelo STJ. Se o STF decidiu pela impossibilidade de modulação, do mesmo modo a impossibilidade há que ser acatada pelo STJ. Nesse sentido, a própria decisão sobre a modulação (positiva ou negativa) vincula posto que também dotada de repercussão geral, tudo também com o escopo de se evitar a litigância temerária. Mas se o STF simplesmente não se manifestou a respeito da modulação, resta a possibilidade de o STJ modular os efeitos de seu novo posicionamento, sendo que essa mesma modulação poderá ser objeto de recurso ao STF, a fim de que a jurisprudência das duas Cortes Superiores seja ali uniformizada.
7. No caso concreto, o STF, no julgamento do RE nº 723.651/PR (Repercussão Geral Tema n. 643), após assentar a tese de que “Incide o imposto de produtos industrializados na importação de veículo automotor por pessoa natural, ainda que não desempenhe atividade empresarial e o faça para uso próprio”, após extenso debate negou expressamente o pedido de modulação de efeitos. A solução há que ser seguida também pelo STJ pelos motivos alinhavados.8. Recurso especial não provido.
[STJ, 2 T., REsp 1.570.531/CE, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 04/02/2020, DJe
10/02/2020)
123. Concretamente, sem prejuízo do próprio EREsp 1.318.051/RJ e do AgInt no AREsp 1.458.422/SP, ambos citados acima, o STJ não tem feito ressalva à aplicação do entendimento a recursos apresentados anteriormente, sendo exemplos dessa situação o REsp 1.805.023/SP (2019) e EDcl no AREsp 1.486.730/RS (2020)
124. Afastada a existência de jurisprudência dominante, veri?cada a aplicação imediata da tese da responsabilidade administrativa ambiental subjetiva pelo Superior Tribunal de Justiça e o fato de que a tese vencida (risco integral) não se identi?cava com aquela objeto da OJN n. 26/2011 (risco criado), caberia avaliar a eventual sugestão de que as autoridades administrativas do Ibama apliquem os artigos 23 e 24 da Lindb para modular seus entendimentos.
125. Nesse tom, sequer é possível entender que o presente caso reclamaria a aplicação do artigo 23 da Lindb, uma vez que não se trata a discussão da responsabilidade objetiva ou subjetiva de “norma de conteúdo indeterminado”, uma vez que em ambos os casos há conceitos descritivos quanto a tais hipóteses. Veja-se, não se está a discutir a aplicação de interesse público ou mesmo princípios de direito ambiental, e sim a definição entre dois regimes de responsabilidade. O que se passou foi a ocorrência de divergência interpretativa pura e simples e não a discussão acerca do conteúdo de um conceito indeterminado a reclamar a alteração do artigo 23 da Lindb.
126. Mais, observe-se que a OJN n. 26/2011 não teve outorgados efeitos vinculantes pela presidência da autarquia como foi feito em outros casos, sendo discutível a?rmar que se trata de “orientação geral” para ?ns do artigo 24 da Lindb, uma vez que se trata de orientação consultiva da PFE- Ibama acerca da qual as autoridades do Ibama sequer se encontravam vinculadas.
127. De qualquer sorte, nesse particular é indispensável compreender o disposto no artigo 24 da Lindb em detalhe, uma vez que, no presente caso, a aplicação de modulação do entendimento constante da OJN 26/2011, ao invés de fortalecer a segurança jurídica, viria a causar insegurança jurídica, sendo indispensável interpretar o dispositivo em conformidade com as disposições constitucionais que outorgam ao Superior Tribunal de Justiça a atribuição de ser o guardião da interpretação da legislação federal (STF, 1ª T, AI 162.245 AgR, rel. Min. Celso de Mello, j. 30/8/1994, DJ 24/11/2000).
128. Veja-se que, o Superior Tribunal de Justiça, na missão de guardião da legislação federal, inclusive a Lindb e o CPC, entendeu por não efetuar qualquer modulação em seu entendimento, não sendo cogitável reputar enquanto violação da segurança jurídica a posição consolidada do órgão judiciário máximo na análise da matéria.
129. Recorrer contra jurisprudência consolidada somente gera desperdício de recursos estatais, com o pagamento de custas, honorários advocatícios [inclusive recursais], e eventuais multas processuais. Viola a e?ciência e economicidade administrativas, pois ao dispender energia em teses perdidas na Justiça a pretexto de estar defendendo o interesse “público”, o Estado, ao aparentar ser zeloso, deixa de tutelar diversas agressões, verdadeiramente ilegítimas, impostas às políticas públicas que lhe competem (FREITAS, Juarez. Respeito aos precedentes judiciais iterativos pela Administração Pública. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional , n. 1, Curitiba, Juruá, p. 13-22, 1999, p. 15-16; HACHEM, Daniel Wunder. Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais, A&C – R. de Dir. Administrativo & Constitucional, a. 15, nº 59, p. 63-91, jan./mar. 2015, p. 77).
130. Nada mais injusto do que não obter um direito paci?camente reconhecido pelos tribunais somente porque não ajuizou ação judicial para obtê-lo, uma vez que o critério de distinção entre o reconhecimento da subjetividade ou objetividade da infração administrativa é acesso ao Poder Judiciário. Como destacado por Daniel Wunder Hachem, a “discriminação ilegítima decorrente do provimento isolado conduz a um tratamento desigual entre “cidadãos ‘com sentença’ e ‘sem sentença’”, sem que haja fundamento jurídico-constitucional a autorizá-lo. E a consequência dessa postura é a conversão do Judiciário na “porta das esperanças” para a reivindicação de benefícios sociais que deveriam ser naturalmente proporcionados pelo Estado. A parcela da população alijada do acesso à Justiça – em geral, a mais carente de tais prestações – passa a ser ainda mais desfavorecida” (Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais, A&C – R. de Dir. Administrativo & Constitucional , a. 15, nº 59, 2015, p. 76).
131. É anti-isonômico assegurar direitos apenas à parcela da população que logra acesso ao

Judiciário, deixando à deriva todos os demais cidadãos que compartilham a mesma situação jurídica por não acessar a via judicial. A tutela jurídica não deve ser apenas e?caz, mas também igualitária, motivo pelo qual é preciso encontrar ferramentas no direito administrativo que vinculem a Administração Pública às decisões estatais prévias administrativas ou judiciais que reconheceram certos direitos, estendendo esse reconhecimento a todos os demais titulares que venham a reivindicá-lo (HACHEM, Daniel Wunder. Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais, A&C – R. de Dir. Administrativo & Constitucional , a. 15, nº 59, p. 65). A conclusão não poderia ser mais clara:
A Administração Pública, ao decidir os processos administrativos submetidos à sua apreciação, está sujeita ao dever jurídico de respeitar os precedentes administrativos e judiciais já consolidados em favor dos direitos do cidadão como forma de assegurar-lhes uma proteção igualitária. Trata-se de uma exigência: (i) do direito fundamental à igualdade (art. 3º, IV, e art. 5º, caput, da CF); (ii) do direito fundamental à proibição de discriminação atentatória contra os direitos fundamentais (art. 5º, XLI, da CF); (iii) do princípio constitucional da impessoalidade administrativa (art. 37, caput, da CF); (iv) do direito fundamental à segurança jurídica (art. 5º, caput, da CF) e à proteção da con?ança legítima.
[Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais, A&C – R. de Dir. Administrativo & Constitucional, a. 15, nº 59, 2015, p. 66 – destaques no original]
132. Diga-se, inclusive, que a Procuradoria-Geral Federal já poderia hoje, caso entendesse que seria o caso, orientar os Procuradores Federais a contestar ou recorrer de ações quanto ao tema na forma da Portaria AGU nº 488/2016, com a redação dada pela Portaria AGU nº 161/2020:
“Art. 3º A Procuradoria-Geral Federal poderá orientar os Procuradores Federais a abster-se de ajuizar ações, de contestar, de impugnar o cumprimento de sentença, de embargar a execução e de recorrer, a reconhecer a procedência do pedido, e a desistir das ações ajuizadas e dos recursos já interpostos, quando o tema, a pretensão deduzida ou a decisão judicial estiver de acordo com:
[…]
IV – súmula ou acórdão transitado em julgado, proferido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ou pela Seção do Superior Tribunal de Justiça regimentalmente competente para analisar a matéria;
133. Nesse sentido, o artigo 24 da LindbB deve ser interpretado em conjunto com os artigos 21 e 30 do mesmo diploma, os quais militam em prol do aumento da segurança jurídica e na análise de suas consequências. Veri?ca-se que, ao evitar a aplicação dos efeitos de tese pací?ca no âmbito da 1ª Seção do STJ e que o Tribunal vem aplicando a casos anteriores ao julgamento, a autarquia acabará por incentivar novas demandas, na qual estará sujeita a ônus sucumbenciais, inclusive os recursais, bem como deverá deslocar servidores à prestação de subsídios e cumprimento de decisões judiciais para tais fins, sem benefício real.
134. Dessa forma, reputa-se que a modulação dos efeitos da revogação da OJN 26/2011 a?gurar- se-ia contrária às disposições previstas na Lindb pela Lei 13.655/18, não sendo recomendadas pela PFE- Ibama a adoção desse expediente, especialmente, se observada a proximidade entre a tese ora adotada com a anterior para a grande maioria das infrações aplicadas pela autarquia. Tal posição, contudo, não impede que restrições constitucionais/legais, como coisa julgada em ação declaratória julgada improcedente, obstem a aplicação da tese a determinado processo administrativo.
8. DA CONCLUSÃO
135. Tendo consolidado as manifestações jurídicas aprovadas com as inclusões no texto acima, revogo a OJN n. 26/2011, adotando o presente parecer enquanto nova Orientação Jurídica Normativa de n. 53/2020.
136. Solicito ao apoio da PFE-Ibama que inclua manifestação ao ?m da OJN 30/2012 acerca do item n. 5.1 do presente, efetuando anotação em seu título quanto à inimputabilidade administrativa ambiental de crianças.

Brasília, 12 de junho de 2020.

THIAGO ZUCCHETTI CARRION PROCURADOR FEDERAL
Matrícula SIAPE n. 2139154 – OAB/DF 57.538
Procurador-Chefe Nacional
Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

DECRETO MUNICIPAL 085 DE 6 DE ABRIL DE 2020

DECRETO MUNICIPAL 085 DE 6 DE ABRIL DE 2020

O Decreto de nº 92, elaborado e publicado em 06 de abril de 2020, pelo prefeito Duarte Nogueira, e dispõe sobre a suspensão da cobrança de aluguel e/ou tarifa de permissão de uso pela utilização de próprios públicos por permissionários do município de ribeirão preto.
A partir da data da publicação, ficarão suspensas as cobranças de alugueis e/ou tarifas de uso próprios públicos cedidos e permissionários.
Essa suspensão corresponderá as faturas do mês de março à junho, devendo ser regularizadas em doze parcelas, com os vencimentos juntamente com o aluguel ou tarifa de uso referentes ao mês de julho, agosto de 2020 a julho de 2021.
Os interessados deverão apresentar requerimento junto a Secretaria que administra sua permissão até o dia 30 de abril de 2020, citando esse decreto e concordando com os termos impostos de parcelamento e suspensão acima descritos.

É o que nos cabe informar.

EQUIPE TROVARELI & PINHEIRO
Sociedade de Advogados

DECRETO MUNICIPAL 086 DE 6 DE ABRIL DE 2020

DECRETO MUNICIPAL 086 DE 6 DE ABRIL DE 2020

O Decreto de nº 86, elaborado e publicado em 23 de abril de 2020, pelo prefeito Duarte Nogueira, altera a redação do parágrafo 2º do artigo 3º do decreto nº 076, de 23 de março de 2020, que declara o estado de calamidade pública no município de ribeirão preto, decorrente da pandemia do COVID-19.
A alteração consiste em autorizar a realocação temporária de servidores, de acordo com cada secretaria, nos setores em que houve maior numero de afastamentos devido a pandemia de coronavírus, com o intuito de evitar aglomerações, de forma que o serviço não fique sem funcionamento. Fica vedado o desvio de funções nas realocações de servidores.
O decreto passou a ter vigência na data da publicação.

É o que nos cabe informar.

EQUIPE TROVARELI & PINHEIRO
Sociedade de Advogados

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