Reconhecimento da Responsabilidade Subjetiva Ambiental – PARTE 2

26 de junho de 2020

CONTINUAÇÃO…

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95.
96. Observe-se, nesse momento, que não se busca esgotar um dos temas mais complexos e discutidos da dogmática jurídica e sim fixar a base teórica suficiente para operacionalizar a justa aplicação de penalidades na esfera administrativa com a segurança jurídica suficiente, pelo que, a seguir, as consequências jurídicas da interação das teorias acima delineadas serão sintetizadas, sem prejuízo que eventuais questionamentos deem origem a consultas futuras da administração. Não serão, por exemplo, delineadas as eventuais restrições da aplicação da teoria do domínio do fato a infrações sob a forma culposa ou que exijam uma condição pessoal.
97. Apenas cabe referir que, conforme o próprio criador da teoria do domínio do fato, Claus Roxin, essa não se aplica a crime omissivos: “Junto a los delitos de dominio, se introduce en esta obra la categoría de los delitos de infracción de deber, en los que (con arreglo a la concepción aquí desarrolada) no es el domingo del hecho lo que fundamenta la autoría, sino la infracción de un deber especial extrapenal” (Autoría y Dominio del Hecho en Derecho Penal. 7. ed. Madrid: Marcial Pons, 2000, 742).
98. Assim, de maneira simplificada, é autor imediato todo aquele que pratica o tipo infracional ou, segundo a teoria do domínio do fato, que possui domínio da ação (GRECO, Luís; LEITE, Alaor. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato. Sobre a distinção entre o autor e o partícipe no direito penal. In: GRECO, Luís et. al. Autoria como Domínio do Fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 19-46, p. 25).
99. Por sua vez, a autoria mediata, segundo a teoria do domínio do fato, fundamenta-se não no domínio da ação, mas no domínio da vontade. Autor mediato, assim, é aquele que usa outro como seu mero instrumento (GRECO, Luís; LEITE, Alaor. op. cit., p. 26). São casos de domínio da vontade aqueles no qual o autor mediato coage, induz ou aproveita erro de outrem, emprega inimputável ou pessoa amparada por causa excludente de culpabilidade (PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral e parte especial. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019).
100. A essas formas de domínio da vontade se soma aquela conhecida enquanto domínio do aparato organizado de poder cuja definição é bem apresentada por Greco e Leite:
Aquele que, servindo-se de uma organização verticalmente estruturada e apartada, dissociada da ordem jurídica, emite uma ordem cujo cumprimento é entregue a executores fungíveis, que funcionam como meras engrenagens de uma estrutura automática, não se limita a instigar, mas é verdadeiro autor mediato dos fatos realizados. Isso significa que pessoas em posições de comando em governos totalitários ou em organizações criminosas ou terroristas são autores mediatos, […] [GRECO, Luís; LEITE, Alaor. op. cit., p. 27-28]
101. Além disso, embora o doutrinador que consolidou a teoria, Claus Roxin, assim não se manifeste, a jurisprudência alemã e a brasileira, esta com apoio no Supremo Tribunal Federal (HC 127.397), admite que o domínio do aparato organizado de poder ocorra por meio de estruturas empresariais, as quais não seriam “dissociadas da ordem jurídica” como pregava a posição original acima referida.
102. Importante ressaltar que, no julgado acima apontado, resta claro que o Supremo Tribunal Federal não acata a posição superior enquanto presunção de autoria, sendo indispensável a comprovação cabal dos pressupostos teóricos e probatórios para aplicação da teoria do domínio do fato:
Não há óbice para que a denúncia invoque a teoria do domínio do fato para dar suporte à imputação penal, sendo necessário, contudo, que, além disso, ela aponte indícios convergentes no sentido de que o Presidente da empresa não só teve conhecimento do crime de evasão de divisas, como dirigiu finalisticamente a atuação dos demais acusados. Assim, não basta que o acusado se encontre em posição hierarquicamente superior. Isso porque o próprio estatuto da empresa prevê que haja divisão de responsabilidades e, em grandes corporações, empresas ou bancos há controles e auditorias exatamente porque nem mesmo os sócios têm como saber tudo o que se passa.
[STF. 2ª T., HC 127.397/BA, rel. Min. Dias Toffoli, j. em 6/12/2016 – Info 850]
103. Refira-se, enquanto na autoria mediata, ao autor mediato é imputável o ato do autor imediato, ainda que esse não seja culpável, a recíproca não é verdadeira, no que se diferencia da coautoria (GRECO, Luís; LEITE, Alaor. op. cit., p. 43).
104. São requisitos da coautoria conforme Guilherme de Souza Nucci: a) existência de mais de um agente, b) relação de causalidade material entre as condutas desenvolvidas e o resultado, c) vínculo de natureza psicológica ligando as condutas entre si, sem necessidade de ajuste prévio; reconhecimento da prática da mesma infração para todos; e) existência de fato punível (Manual de Direito Penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 341).
105. Dessa forma, a coautoria se dá quando cada coautor realiza uma parte da descrição típica infracional, bem como quando, segundo a teoria do domínio do fato, se verifica o domínio funcional do fato, no qual há uma atuação coordenada em divisão de tarefas por múltiplos agentes, de maneira que esses possuem o domínio do fato (GRECO, Luís; LEITE, Alaor. op. cit., p. 43).
106. Diferencia-se da coautoria, a chamada autoria lateral, na qual inexiste elemento subjetivo comum entre os indivíduos que contribuem para um mesmo ato ilícito (BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 452).
107. Por derradeiro, não sendo autor ou coautor, pode ser punido a título de participação aquele que, sem praticar atos típicos ou possuir domínio do fato, oferece “colaboração dolosa em um fato

alheio. É a contribuição dolosa – sem o domínio do fato – em um fato punível doloso de outrem.”, sendo necessário apenas que a ação seja apenas típica, sendo que a eventual justificação do partícipe deve ser pessoalmente avaliada, ante a adoção da teoria da acessoriedade mínima vigente no Brasil (PRADO, Luis Regis. Op. cit.).
108. Em sentido semelhante e exemplificando com infrações administrativas ambientais, encontra-se o magistério de Heraldo Garcia Vitta ao conceituar a participação:
Já o partícipe é a pessoa que, embora não praticando a conduta descrita na norma, de outro modo concorre para a sua realização. A pessoa que instiga o motorista a dirigir o veículo sem a carteira de habilitação e a pessoa que fornece aparatos para que outro indivíduo coloque fogo na mata são consideradas partícipes do ilícito administrativo, porque não realizaram a conduta, por assim dizer, típica, descrita na norma jurídica, ou seja, no primeiro caso, dirigir sem a devida habilitação; no segundo, colocar fogo na mata. [Aspectos da imposição de penalidades administrativas, Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, n. 78, p. 31-48, jul./ago. 2006]
109. A participação pode ser agrupada em duas principais formas (BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 444-446):
a. instigação (participação moral), na qual o partícipe age sobre a vontade do autor, quer provocando para que surja a vontade de cometer o crime ou estimulando a ideia existente;
b. cumplicidade (participação material), na qual o partícipe oferece auxílio, seja através do auxílio na preparação, na execução ou mediante ato omissivo, sendo clássico o exemplo do empréstimo do objeto material usado no ato ilícito.
110. Cabe acrescer que, no âmbito doutrinário brasileiro, diferentemente do espanhol, não se admite a participação em ilícito culposo, para os quais entende-se que há co-autoria (BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 451) ou, eventualmente, autoria colateral (BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 158).
111. Ao fim, deve ser mencionado que, embora sob o aspecto material, se verifique a coautoria ou participação, sob o aspecto formal, o auto de infração pode ser individual por autuado, na forma do artigo 28, § 4º, da antiga IN Ibama 10/2012 e atual artigo 15 da IN Conjunta MMA/IBAMA/ICMBIO 02/2020, sendo que, nessa última, há a possibilidade, caso haja viabilidade de sistema, de inclusão de múltiplos autuados.
7. DOS EFEITOS INTERTEMPORAIS DA PRESENTE ORIENTAÇÃO JURÍDICA NORMATIVA
110. Inicialmente, como apontado acima, o regime de responsabilidade previsto na OJN n. 26/2011 não dizia respeito à teoria do risco integral, admitindo excludentes como caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiros, fato que aproximava em muito a posição da orientação com aquela da própria responsabilidade subjetiva, o que foi inclusive mencionado na própria OJN n. 26/2011 ao aludir que “Pode-se concluir que a responsabilidade ambiental administrativa insere-se entre a responsabilidade civil objetiva e a responsabilidade penal subjetiva. Assemelha-se e distingue-se de ambas.”.
111. Na verdade, as diferenças efetivas entre a teoria do risco criado e aquela da responsabilidade subjetiva concentram-se especialmente em situações pessoais do agente classificadas enquanto “excludentes de culpabilidade”, antes abordadas.
112. Dito isso, há que se observar que, embora a culpabilidade do agente deva estar presente para a configuração da infração, essa diz respeito à uma exigência material da infração e não formal (até porque não exigida menção explícita no Decreto n. 6.514/08 ou nas Instruções Normativas Ibama 10/2012 ou Conjunta MMA/IBAMA/ICMBio 02/2020). Observe-se que, conforme definido pelo Supremo Tribunal Federal, os elementos aptos a ensejar uma condenação em âmbito penal podem estar implicitamente contidos na imputação sem que haja prejuízo à correlação dessa para com a decisão:
É sempre importante relembrar, Senhor Presidente, considerados os princípios constitucionais que regem o processo penal condenatório em nosso sistema jurídico, que o réu não pode ser condenado por fatos cuja descrição não se contenha, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa, impondo-se, por tal razão, ao Estado, em respeito à garantia da plenitude de defesa, a necessária observância do princípio da correlação entre imputação e sentença (“quod non est in libello, non est in mundo”).
[…]
Essencial, portanto, que a peça acusatória, em exposição narrativa, descreva, com precisão, ainda que implicitamente, o fato e o comportamento atribuídos ao réu, bem assim as circunstâncias inerentes ao evento delituoso (RTJ 170/187, v.g.), para que o acusado não sofra qualquer restrição ou gravame no exercício – que há de ser pleno – do seu direito de defesa:
[…]
Vê-se, daí, que ofenderá o sistema acusatório, tal como estruturado em nosso ordenamento jurídico, a decisão proferida por magistrado que pronuncie, de ofício, agravante genérica sequer referida na imputação penal, ou, então, que reconheça circunstância elementar não constante, explícita ou implicitamente da denúncia, ou, ainda, que reconheça a prática de fatos delituosos não descritos na peça de acusação, pois, em assim procedendo, o juiz incorrerá em evidente desrespeito à garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório (RT 424/320 – RT 458/301 – RT 523/525 – RT 555/377 – RT 720/509, v.g.).
[…]

Entendo, bem por isso, na linha do douto voto do eminente Relator, que encontra inteiro suporte legitimador na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal

de Justiça, que se impõe reconhecer, na espécie, a ocorrência de ofensa ao princípio da correlação entre acusação e sentença, pois, no caso, a condenação foi baseada em fatos não descritos, ainda que implicitamente, na denúncia:
[Voto do Min. Celso de Mello na AP 975, rel. Min. Edson Fachin, 2a Turma, j. em 03/10/2017,
DJe 02/03/2018]
113. Em outras palavras, a adoção da responsabilidade subjetiva das infrações ambientais não significa e nem pode significar que são inválidos os autos de infração/decisões que não apresentem as palavras dolo ou culpa em seu conteúdo. Como apontado acima, o dolo e a culpa são extraídos a partir das circunstâncias objetivas de um fato, sendo, no caso do elemento subjetivo, provado indiretamente.
114. Assim, a aplicação de uma penalidade que descreve, por exemplo, o uso de trator para derrubada de vegetação por um agente sem autorização da autoridade competente indica, evidentemente, conduta, ao menos, culposa. Além disso, a culpabilidade sempre foi um critério de dosimetria das infrações (art. 28, § 4º, da IN Ibama 10/12).
115. Com isso objetiva-se deixar claro que, embora devam ser analisados sob o prisma da responsabilidade subjetiva, os autos de infração aplicados e julgados sob a vigência da OJN n. 26/2011 não são censurados pela mudança da posição se presentes, ainda que implicitamente, dolo ou culpa do agente.
116. Essa posição tem encontrado ressonância no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que tem admitido que, apesar da alteração de posição da Corte, autos baseados em responsabilidade objetiva restam incólumes se verificada a responsabilidade administrativa do infrator ambiental:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE MULTA AMBIENTAL. VAZAMENTO DE ÓLEO DIESEL EM ÁGUAS FLUVIAIS E ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE.ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS.
489 E 1.022 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS, NO ACÓRDÃO RECORRIDO. I N C O N F O R M I S M O . RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL RECONHECIDA, PELO ACÓRDÃO RECORRIDO.CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. ACÓRDÃO COM FUNDAMENTO EM LEI LOCAL. REVISÃO.IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280/STF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL PREJUDICADA. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.I. […]
IV. Em recente julgado, proferido pela Primeira Seção do STJ, nos autos dos EREsp 1.318.051/RJ (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 12/06/2019), pacificou-se o entendimento no sentido de que a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), devendo obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida, pelo alegado transgressor, com demonstração do elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
V. No caso dos autos, todavia, o reconhecimento da tese de responsabilidade ambiental subjetiva, para casos de aplicação de penalidades administrativas, não tem o condão de alterar o que fora decidido na decisão agravada, uma vez que o Tribunal de origem, com base no exame dos elementos fáticos dos autos, reconheceu a responsabilidade ambiental da parte agravante no evento danoso, consignando que “a apelante não tomou medidas de emergência visando conter o avanço do óleo no Rio, a despeito de notificação do órgão ambiental nesse sentido”. Registrou o aresto, ainda, que “o fato de o vazamento ter sido causado devido à tentativa de furto de combustível em uma das válvulas do oleoduto não pode ser considerado causa excludente de ilicitude”, pois “as próprias testemunhas da ré informaram que os dispositivos de segurança da válvula eram ineficazes para evitar a ação de ladrões de combustíveis, o que causa espanto, pois não se pode conceber como uma empresa do porte da apelante não invista em estrutura básica de segurança com a finalidade de evitar desastres ambientais como os noticiados”.
V I . O entendimento firmado pelo Tribunal a quo – no sentido de que restou configurada a responsabilidade administrativa ambiental da agravante no evento danoso – não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. […] (STJ, AgInt no REsp 1.590.388/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 24/03/2017).
X. Agravo interno improvido.
[STJ, 2 T., AgInt no AREsp 1.458.422/SP, rel. Min. Assusete Magalhães, j. em 17/12/2019, DJe
19/12/2019 – sem destaques no original]
117. Assentada essa condição, cabe perquirir acerca da eventual aplicação de modulação da tese na forma dos artigos 23 e 24 da Lindb, regulamentados pelo Decreto n. 9.830/2019. Nesse sentido, reputo que deve ser esclarecida uma situação: as OJNs são consolidação de entendimentos consultivos cuja obrigatoriedade se dá no âmbito da PFE-IBAMA/PGF no exercício dessa função por seus membros (Portaria PFE-Ibama 01/2012), não ostentando conteúdo decisório.
118. Assim sendo, tendo em vista que a Lindb regra atos de conteúdo decisório, não seria viável a modulação da OJN em si, mas que eventualmente fosse sugerido à autoridade a que cabe decidir acerca do tema acerca de eventual modulação do entendimento. A avaliação dessa recomendação possui o caráter consultivo deve se pautar nos mesmos critérios desse tipo de análise.
119. Superado tal fato, há que se abordar ainda uma questão preliminar, qual seja, a OJN n. 26/2011 não se encontrava em plena consonância com nenhuma das correntes jurisprudenciais então existentes no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Veja-se que no acórdão paradigma da responsabilidade objetiva, a tese adotada vedava a exclusão da responsabilidade administrativa por fato de terceiros (a qual consta expressamente, inclusive, na ementa da OJN). Veja-se o trecho do Voto do

Relator em que tal situação se mostra cristalina:
A esse respeito discorreu Paulo Afonso Leme Machado in “Direito Ambiental Brasileiro”, Malheiros, 11ª ed., 2003, p. 862:
“O art. 7º, caput, primeira parte, da Lei 7.661/88 diz que: ‘A degradação dos ecossistemas, do patrimônio e dos recursos naturais da Zona Costeira implicará ao agente a obrigação de reparar o dano causado’. A reparação do dano, portanto, é concomitante com a sujeição à sanção administrativa. Dessa forma, diante da fragilidade do ecossistema litorâneo, não se poderá aplicar a dedução da multa quando houver a reparação do dano, como prevê para outros danos ambientais o art. 45 do Decreto 88.351/83. A responsabilidade civil, evidentemente, continua pelo sistema da responsabilidade independente de culpa no que concerte ao meio ambiente e ao patrimônio cultural. (art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81).”
Assinale-se, por fim, que a eventual exoneração da recorrente por culpa de terceiro, poderá ser aferida em ação regressiva, inter partes; entre o dono da embarcação e a Petrobrás, em demanda infensa à Administração, exorbitante por força da responsabilidade pelo risco integral, como vem sendo aplicada v.g., nos derramamentos de óleo noticiados recentemente. (REsp 467.212/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/10/2003, DJ 15/12/2003, p. 193, Voto do Relator, grifos no original)
120. Além disso, no âmbito do REsp 1318051/RJ, no qual o Exmo Ministro Benedito Gonçalves adotada a tese do Exmo. Ministro Fux expressamente, há também trecho que adota para a responsabilidade civil e administrativa o mesmo paradigma (o que foi objeto de discordância da OJN n. 26/2011):
Pois bem, ao contrário do entendimento da recorrente, é objetiva a responsabilidade administrativa ambiental. Deveras, esse preceito foi expressamente inserido no nosso ordenamento com a edição da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981). Tanto é assim, que o § 1º do art. 14 do diploma em foco define que o poluidor é obrigado, sem que haja a exclusão das penalidades , a indenizar ou reparar os danos, independentemente da existência de culpa. Oportuna é transcrição do dispositivo em comento:
§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Dessarte, é extreme de dúvida que são independentes as esferas de responsabilidade, mas, em se tratando das responsabilidades civil e administrativa, a Lei n. 6.938/1981 tratou de elidir a culpa e o dolo para a imputação de penalidades e obrigação de indenizar ou reparar o dano. Essa é a exegese que se infere da primeira parte do § 1º do art. 14 do dispositivo sob exame (REsp 1318051/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 12/05/2015, Voto do Relator, grifos no original
121. Além disso, mesmo que se assumisse para fins de argumentação a existência de identidade entre a posição da OJN e aquela da responsabilidade objetiva constante dos julgados acima, não é possível afirmar que se chegou a verificar uma jurisprudência em prol da responsabilidade administrativa ambiental objetiva, porquanto à época da edição da OJN havia apenas um acórdão do STJ e de uma turma, não havendo estabilidade nos Tribunais Regionais Federais. Veja-se, por exemplo, que o TRF4 em 2008 (TRF4, 4 T., AG 2008.04.00.011079-5, , Rel. Des. Fed. Edgard Antônio Lippmann Júnior, D.E. 26/05/2008), o TRF1 em 2011 (5 T., AC 0020056-89.2005.4.01.3500, rel. Des. Fed. João Batista Moreira, e-DJF1 04/03/2011, p. 443), cuja tese se viu repetida até, pelo menos, 2017 (6 T., AC 0029398- 15.2010.4.01.3900, rel. Maria da Penha Gomes Fontenelle Meneses (conv.), e-DJF1 04/08/2017), adotaram a teoria subjetiva.
122. Nesse sentido, inexistindo jurisprudência em prol da responsabilidade objetiva, que se viu rechaçada no EREsp n. 1318051/RJ, inviável a aplicação do artigo 927, § 3º, do CPC que exige tal requisito para a realização da modulação de entendimento. Diga-se, a jurisprudência do STJ tem sido bastante restritiva com a aplicação do dispositivo, esclarecendo a importância de que a modulação não crie insegurança jurídica ou fira a isonomia entre os jurisdicionados, como se verifica do seguinte julgado:
RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 2. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE IPI NA IMPORTAÇÃO DE PRODUTO INDUSTRIALIZADO PARA USO PRÓPRIO. ADEQUAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ FIRMADA NO RECURSO REPETITIVO RESP. N.1.396.488/SC (TEMA N. 695) AO POSICIONAMENTO FIRMADO PELO STF.MODULAÇÃO DE EFEITOS. IMPOSSIBILIDADE. VINCULAÇÃO DO STJ AO QUE DECIDIDO PELO STF TAMBÉM QUANTO À MODULAÇÃO.
[…]
4. Tendo a jurisprudência deste STJ sido construída em interpretação de princípio constitucional, urge inclinar-se esta Casa ao decidido pela Corte Suprema competente para dar a palavra final em temas de tal jaez, notadamente em havendo julgamento de mérito em sede de repercussão geral.
5. Muito embora tenha havido mudança de orientação jurisprudencial deste STJ, não é possível, para o caso, a modulação de efeitos tendo em vista que: 1º) a jurisprudência dentro do próprio STJ sempre foi controvertida quanto ao tema , alcançando pacificação somente quando do julgamento do próprio recurso representativo da controvérsia REsp nº 1.396.488/SC julgado em 25.02.2015, havendo curta vigência deste;e 2º) em casos onde a alteração da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ deriva de adequação a julgado posterior proferido pelo Supremo Tribunal Federal – STF (overruling vertical) a modulação de efeitos deve seguir a mesma solução dada também pelo STF, sob pena de permanecer a situação que se quer evitar de duplicidade de soluções

judiciais para uma mesma questão, a fomentar insegurança jurídica (os Tribunais inferiores não saberão qual posicionamento seguir para o período), ineficiência da prestação jurisdicional (pois a parte prejudicada irá interpor recurso extraordinário/especial para afastar ou garantir a modulação) e desigualdade no tratamento dos jurisdicionados (pois o processo sofrerá solução diferente de acordo com o tribunal destinatário do recurso final).
6. Ou seja, se o STF decidiu pela modulação, solução idêntica há que ser adotada pelo STJ. Se o STF decidiu pela impossibilidade de modulação, do mesmo modo a impossibilidade há que ser acatada pelo STJ. Nesse sentido, a própria decisão sobre a modulação (positiva ou negativa) vincula posto que também dotada de repercussão geral, tudo também com o escopo de se evitar a litigância temerária. Mas se o STF simplesmente não se manifestou a respeito da modulação, resta a possibilidade de o STJ modular os efeitos de seu novo posicionamento, sendo que essa mesma modulação poderá ser objeto de recurso ao STF, a fim de que a jurisprudência das duas Cortes Superiores seja ali uniformizada.
7. No caso concreto, o STF, no julgamento do RE nº 723.651/PR (Repercussão Geral Tema n. 643), após assentar a tese de que “Incide o imposto de produtos industrializados na importação de veículo automotor por pessoa natural, ainda que não desempenhe atividade empresarial e o faça para uso próprio”, após extenso debate negou expressamente o pedido de modulação de efeitos. A solução há que ser seguida também pelo STJ pelos motivos alinhavados.8. Recurso especial não provido.
[STJ, 2 T., REsp 1.570.531/CE, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 04/02/2020, DJe
10/02/2020)
123. Concretamente, sem prejuízo do próprio EREsp 1.318.051/RJ e do AgInt no AREsp 1.458.422/SP, ambos citados acima, o STJ não tem feito ressalva à aplicação do entendimento a recursos apresentados anteriormente, sendo exemplos dessa situação o REsp 1.805.023/SP (2019) e EDcl no AREsp 1.486.730/RS (2020)
124. Afastada a existência de jurisprudência dominante, verificada a aplicação imediata da tese da responsabilidade administrativa ambiental subjetiva pelo Superior Tribunal de Justiça e o fato de que a tese vencida (risco integral) não se identificava com aquela objeto da OJN n. 26/2011 (risco criado), caberia avaliar a eventual sugestão de que as autoridades administrativas do Ibama apliquem os artigos 23 e 24 da Lindb para modular seus entendimentos.
125. Nesse tom, sequer é possível entender que o presente caso reclamaria a aplicação do artigo 23 da Lindb, uma vez que não se trata a discussão da responsabilidade objetiva ou subjetiva de “norma de conteúdo indeterminado”, uma vez que em ambos os casos há conceitos descritivos quanto a tais hipóteses. Veja-se, não se está a discutir a aplicação de interesse público ou mesmo princípios de direito ambiental, e sim a definição entre dois regimes de responsabilidade. O que se passou foi a ocorrência de divergência interpretativa pura e simples e não a discussão acerca do conteúdo de um conceito indeterminado a reclamar a alteração do artigo 23 da Lindb.
126. Mais, observe-se que a OJN n. 26/2011 não teve outorgados efeitos vinculantes pela presidência da autarquia como foi feito em outros casos, sendo discutível afirmar que se trata de “orientação geral” para fins do artigo 24 da Lindb, uma vez que se trata de orientação consultiva da PFE- Ibama acerca da qual as autoridades do Ibama sequer se encontravam vinculadas.
127. De qualquer sorte, nesse particular é indispensável compreender o disposto no artigo 24 da Lindb em detalhe, uma vez que, no presente caso, a aplicação de modulação do entendimento constante da OJN 26/2011, ao invés de fortalecer a segurança jurídica, viria a causar insegurança jurídica, sendo indispensável interpretar o dispositivo em conformidade com as disposições constitucionais que outorgam ao Superior Tribunal de Justiça a atribuição de ser o guardião da interpretação da legislação federal (STF, 1ª T, AI 162.245 AgR, rel. Min. Celso de Mello, j. 30/8/1994, DJ 24/11/2000).
128. Veja-se que, o Superior Tribunal de Justiça, na missão de guardião da legislação federal, inclusive a Lindb e o CPC, entendeu por não efetuar qualquer modulação em seu entendimento, não sendo cogitável reputar enquanto violação da segurança jurídica a posição consolidada do órgão judiciário máximo na análise da matéria.
129. Recorrer contra jurisprudência consolidada somente gera desperdício de recursos estatais, com o pagamento de custas, honorários advocatícios [inclusive recursais], e eventuais multas processuais. Viola a eficiência e economicidade administrativas, pois ao dispender energia em teses perdidas na Justiça a pretexto de estar defendendo o interesse “público”, o Estado, ao aparentar ser zeloso, deixa de tutelar diversas agressões, verdadeiramente ilegítimas, impostas às políticas públicas que lhe competem (FREITAS, Juarez. Respeito aos precedentes judiciais iterativos pela Administração Pública. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional , n. 1, Curitiba, Juruá, p. 13-22, 1999, p. 15-16; HACHEM, Daniel Wunder. Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais, A&C – R. de Dir. Administrativo & Constitucional, a. 15, nº 59, p. 63-91, jan./mar. 2015, p. 77).
130. Nada mais injusto do que não obter um direito pacificamente reconhecido pelos tribunais somente porque não ajuizou ação judicial para obtê-lo, uma vez que o critério de distinção entre o reconhecimento da subjetividade ou objetividade da infração administrativa é acesso ao Poder Judiciário. Como destacado por Daniel Wunder Hachem, a “discriminação ilegítima decorrente do provimento isolado conduz a um tratamento desigual entre “cidadãos ‘com sentença’ e ‘sem sentença’”, sem que haja fundamento jurídico-constitucional a autorizá-lo. E a consequência dessa postura é a conversão do Judiciário na “porta das esperanças” para a reivindicação de benefícios sociais que deveriam ser naturalmente proporcionados pelo Estado. A parcela da população alijada do acesso à Justiça – em geral, a mais carente de tais prestações – passa a ser ainda mais desfavorecida” (Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais, A&C – R. de Dir. Administrativo & Constitucional , a. 15, nº 59, 2015, p. 76).
131. É anti-isonômico assegurar direitos apenas à parcela da população que logra acesso ao

Judiciário, deixando à deriva todos os demais cidadãos que compartilham a mesma situação jurídica por não acessar a via judicial. A tutela jurídica não deve ser apenas eficaz, mas também igualitária, motivo pelo qual é preciso encontrar ferramentas no direito administrativo que vinculem a Administração Pública às decisões estatais prévias administrativas ou judiciais que reconheceram certos direitos, estendendo esse reconhecimento a todos os demais titulares que venham a reivindicá-lo (HACHEM, Daniel Wunder. Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais, A&C – R. de Dir. Administrativo & Constitucional , a. 15, nº 59, p. 65). A conclusão não poderia ser mais clara:
A Administração Pública, ao decidir os processos administrativos submetidos à sua apreciação, está sujeita ao dever jurídico de respeitar os precedentes administrativos e judiciais já consolidados em favor dos direitos do cidadão como forma de assegurar-lhes uma proteção igualitária. Trata-se de uma exigência: (i) do direito fundamental à igualdade (art. 3º, IV, e art. 5º, caput, da CF); (ii) do direito fundamental à proibição de discriminação atentatória contra os direitos fundamentais (art. 5º, XLI, da CF); (iii) do princípio constitucional da impessoalidade administrativa (art. 37, caput, da CF); (iv) do direito fundamental à segurança jurídica (art. 5º, caput, da CF) e à proteção da confiança legítima.
[Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais, A&C – R. de Dir. Administrativo & Constitucional, a. 15, nº 59, 2015, p. 66 – destaques no original]
132. Diga-se, inclusive, que a Procuradoria-Geral Federal já poderia hoje, caso entendesse que seria o caso, orientar os Procuradores Federais a contestar ou recorrer de ações quanto ao tema na forma da Portaria AGU nº 488/2016, com a redação dada pela Portaria AGU nº 161/2020:
“Art. 3º A Procuradoria-Geral Federal poderá orientar os Procuradores Federais a abster-se de ajuizar ações, de contestar, de impugnar o cumprimento de sentença, de embargar a execução e de recorrer, a reconhecer a procedência do pedido, e a desistir das ações ajuizadas e dos recursos já interpostos, quando o tema, a pretensão deduzida ou a decisão judicial estiver de acordo com:
[…]
IV – súmula ou acórdão transitado em julgado, proferido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ou pela Seção do Superior Tribunal de Justiça regimentalmente competente para analisar a matéria;
133. Nesse sentido, o artigo 24 da LindbB deve ser interpretado em conjunto com os artigos 21 e 30 do mesmo diploma, os quais militam em prol do aumento da segurança jurídica e na análise de suas consequências. Verifica-se que, ao evitar a aplicação dos efeitos de tese pacífica no âmbito da 1ª Seção do STJ e que o Tribunal vem aplicando a casos anteriores ao julgamento, a autarquia acabará por incentivar novas demandas, na qual estará sujeita a ônus sucumbenciais, inclusive os recursais, bem como deverá deslocar servidores à prestação de subsídios e cumprimento de decisões judiciais para tais fins, sem benefício real.
134. Dessa forma, reputa-se que a modulação dos efeitos da revogação da OJN 26/2011 afigurar-se-ia contrária às disposições previstas na Lindb pela Lei 13.655/18, não sendo recomendadas pela PFE- Ibama a adoção desse expediente, especialmente, se observada a proximidade entre a tese ora adotada com a anterior para a grande maioria das infrações aplicadas pela autarquia. Tal posição, contudo, não impede que restrições constitucionais/legais, como coisa julgada em ação declaratória julgada improcedente, obstem a aplicação da tese a determinado processo administrativo.
8. DA CONCLUSÃO
135. Tendo consolidado as manifestações jurídicas aprovadas com as inclusões no texto acima, revogo a OJN n. 26/2011, adotando o presente parecer enquanto nova Orientação Jurídica Normativa de n. 53/2020.
136. Solicito ao apoio da PFE-Ibama que inclua manifestação ao fim da OJN 30/2012 acerca do item n. 5.1 do presente, efetuando anotação em seu título quanto à inimputabilidade administrativa ambiental de crianças.

Brasília, 12 de junho de 2020.

THIAGO ZUCCHETTI CARRION PROCURADOR FEDERAL
Matrícula SIAPE n. 2139154 – OAB/DF 57.538
Procurador-Chefe Nacional
Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

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